Melhor do que taxar lucros é distribuí-los na cadeia de valor

Não é comum o Governo ter boas soluções à mão para problemas exigentes da sociedade civil. Desta vez tem. O que espera?

A decisão de taxar lucros extraordinários das empresas de energia e de distribuição está a esquecer um detalhe essencial: este imposto pouco faz pela proteção da cadeia de valor dessas indústrias. E, desse modo, pouco protege a economia portuguesa.

Parece uma conclusão agressiva, mas é assim mesmo: aplicar impostos sobre empresas que beneficiam dos chamados resultados caídos do céu (windfall wins) é uma solução desenhada para proteger, sobretudo, os consumidores dessas indústrias. É isso que a legitima: o Estado arrecada impostos e redistribui em seguida, na forma de subsídios mais ou menos diretos – por exemplo, em apoios ao pagamento da fatura energética. O que esta taxa esquece, e que é igualmente crítico, é que as situações extraordinárias que explicam os ganhos de uns são as mesmas que provocam as perdas de outros. Essas perdas não decorrem de comprar ao ganhador o seu produto, como a energia. Decorrem da situação extraordinária. Explique-se.

Estes lucros extraordinários caídos do céu acontecem na cauda do terramoto que se seguiu ao súbito aumento de preços das matérias-primas e das cadeias logísticas gerado, como bem se sabe, desde que a soma dos efeitos económicos da covid-19 e da guerra na Ucrânia viraram o mundo de pernas para o ar. Há empresas em desespero para fazerem face a esses aumentos de custos na logística, nas matérias-primas e nos recursos humanos que escasseiam: fizeram as suas propostas aos clientes com base em pressupostos de mercado que, entretanto, se alteraram radicalmente sem que essas PME tenham tido nisso qualquer responsabilidade.

Estes problemas não se resolvem com apoios à fatura energética. Resolvem-se ajustando o preço que cobram pelos seus contratos à nova realidade. É aí, nos mecanismos que permitam promover este ajustamento aos preços, que está a resposta às fragilidades de muitas empresas portuguesas durante este período extraordinário.

Volte-se ao detalhe: na cadeia de valor das empresas de energia e dos grupos de distribuição estão empresas ligadas por contratos de fornecimento com preços estabelecidos antes do surto inflacionista. Na cauda destas, encontram-se outras tantas e, na soma de todas elas, milhares de postos de trabalho cujos empregos dependem da capacidade de todas essas empresas gerarem mais receitas do que custos. Este novelo produtivo não se protege com windfall taxes. Protege-se com mecanismos automáticos de revisão dos preços desses contratos. Quais?

Pode parecer surpresa, mas o Governo português já pensou na solução e, mais importante ainda, já a aplica aos contratos públicos. Afinal, o Estado também é um windfall winner. Em impostos indiretos, somou mais 900 milhões de euros nos últimos trimestres, quase tanto como os cerca de 800 milhões de lucros adicionais no 1.º semestre das empresas de energia e distribuição (segundo contas da organização + Liberdade). Que solução? O Decreto de Lei nº 36/2022.

Esta lei tem dois princípios essenciais: os fornecedores não são obrigados a cumprir contratos assinados abaixo do preço de custo (força maior por alteração das circunstâncias) e, por outro lado, a decisão sobre que novos custos devem ser faturados decorre da aplicação de um conjunto de fórmulas simples a partir de índices que acompanham em permanência os preços das matérias-primas e da mão de obra.

Parece demasiado simples, mas tem um efeito poderoso, impedindo aqueles que ocupam posição dominante de esmagarem os restantes. É por isso que faz todo o sentido alargar as determinações desta lei aos contratos entre privados. Não será preciso muita imaginação para imaginar o que está a acontecer aos fornecedores das grandes superfícies ou das empresas de energia – uma das desculpas que estas dão para os fazerem penar é justamente a de que já vão ser taxados pelo Estado…

Não é comum o Governo ter boas soluções à mão para problemas exigentes da sociedade civil. Desta vez tem. O que espera?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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