O que tem a psicologia a ver com alterações climáticas

Embora a ecoansiedade não seja uma condição clínica, reflete o medo crónico de degradação ambiental, em particular em indivíduos com maior consciência ecológica, como é o caso dos jovens.

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Movimento de Ocupacao pelos alunos da Faculdade de Ciencias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa durante a cimeira do clima Guillermo Vidal/Arquivo

No Verão passado fui ver o nascer do sol no ponto mais a leste do país, o miradouro de Penha das Torres, em Paradela, ali onde o Douro entra em águas internacionais. Enquanto aguardava a chegada do novo dia, acompanhada da família e da estrela da manhã, demos por nós a conversar sobre quanto tempo mais aquela barragem, como outras tantas, se tornaria um ponto de discórdia ibérica, resultante da escassez crescente dos recursos hídricos.

As alterações climáticas são um dos grandes desafios societais que enfrentamos atualmente. São bem conhecidos os apelos mediáticos de Al Gore no documentário “Uma Verdade Inconveniente” e de Greta Thunberg, a ativista sueca que com 15 anos iniciou uma greve à escola que teve eco em todo o mundo, originando as greves estudantis Fridays for Future, conferindo uma força popular inédita ao ativismo climático.

Perto de 99% da população do mundo respira ar com níveis de poluição que excedem os limites aceitáveis, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), matando todos os anos de forma prematura, pelo menos sete milhões de pessoas. O planeta já aqueceu cerca de 1,2 graus em relação aos níveis pré-industriais e todos os indicadores climáticos continuam a bater recordes, antecipando um presente e futuro de tempestades, inundações, secas, incêndios florestais, subida do nível das águas, alterações progressivas nos habitats das espécies e temperaturas insuportáveis em vastas áreas do planeta. E aproximamo-nos perigosamente do limite de 1,5°C que, segundo os cientistas, é o nível máximo de aquecimento para evitar os piores impactos climáticos.

É inequívoca a influência humana no aquecimento da atmosfera, do oceano e da terra. Portugal, onde 75% da população vive no litoral, é um dos países europeus mais vulnerável a estes impactos. De acordo com o New Climate Economics Index somos o quarto país, inclusive à frente do Canadá e da Noruega, a apresentar risco mais elevado de exposição à subida do nível das águas do mar.

E o que está a ser feito? A resposta de algumas nações à crescente crise energética tem sido reforçar a aposta nos combustíveis fósseis, que são a principal causa do agravamento da emergência climática. Concluída mais uma conferência do clima, que à semelhança das anteriores foi minada pelas ambições de curto de prazo e boicotada pelos umbigos dos que se vergam ao vil metal, as negociações saldaram-se numa traição às populações.

Houve aprovação de um acordo que prevê a criação de um fundo para financiar danos climáticos sofridos por países particularmente vulneráveis, mas zero para controlar a subida da temperatura, cortes nas emissões de gases com efeito de estufa e limitação gradual de combustíveis fósseis. Portanto, continuamos nos cuidados intensivos, a caminho dos paliativos.

Por que motivo a noção de que estamos em contrarrelógio nos passa completamente ao lado? Para a maioria, as consequências do aquecimento do planeta são demasiado lentas ou distantes. Quase não damos por elas. E é isso que as torna tão perigosas, levando alguns a falar em alarmismo ou até mesmo imposição ideológica, quando o que existe é demagogia. Os países ricos consomem o que é produzido nos países mais pobres e exportam o seu lixo para lá. Podem assim dizer que reduziram as emissões de gases, quando, na verdade, são responsáveis pelas emissões e pelo lixo produzidos longe da nossa vista e consciência ecológica. Assim se salvam as aparências. Mas, como o planeta partilha apenas uma atmosfera, a destruição do ambiente e as emissões de gases são-nos devolvidas.

E o que tem a psicologia a ver com isto? A psicologia pode ajudar a compreender as causas e a natureza do comportamento humano, os impactos psicossociais das alterações climáticas e apoiar a promoção da mudança comportamental e a adaptação dos indivíduos. Segundo a OMS, há cada vez mais dados científicos sobre o impacto da crise climática na saúde mental. O relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, 2021) refere: “O calor extremo tem impactos negativos na saúde mental, bem-estar, satisfação com a vida, felicidade, desempenho cognitivo e agressão.” Quase metade dos jovens, entre os 16 e 25 anos, relata impactos negativos no funcionamento diário devido à ansiedade associada ao clima, também denominada de ecoansiedade. Embora a ecoansiedade não seja uma condição clínica, reflete o medo crónico de degradação ambiental, em particular em indivíduos com maior consciência ecológica, como é o caso dos jovens.

Nem todos sofrem da mesma maneira os efeitos das alterações climáticas. “Estamos todos na mesma tempestade, mas não no mesmo barco”, como refere Greta Thumberg no seu mais recente livro. Há países que vão sofrer muito mais do que outros. E existe hoje muita gente, para quem o apocalipse climático já aconteceu. São os refugiados climáticos. Se não demos por isso, é porque aqueles que mais sofrem com ele não têm voz. Como pôr em palavras o estado emocional de alguém que vê a sua terra natal desaparecer nas águas?

O tabuleiro de xadrez das alterações climáticas remonta, no mínimo, ao início da revolução industrial. A maioria assiste passivamente ou com atropelos à chegada do xeque-mate, de pedra e cal. Conseguiremos, enquanto humanidade, unir as pedras desavindas e catalisar-nos em prol deste bem comum, salvando o planeta e a espécie humana? A melhor forma de saber de que morreu um doente é a autópsia, mas nessa altura costuma ser também tarde demais para a cura.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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