A guerra dos dados: como a Ucrânia se defende na “nuvem”

A preservação dos dados é essencial para a reconstrução do país, diz Mykhailo Fedorov. A migração da informação governamental para a “cloud” foi aprovada uma semana antes da invasão pela Rússia.

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“Temos milhares de receptores de satélite, os russos não podem fazer nada”, afirmou o ministro ucraniano Reuters/LEAH MILLIS

Os dados estão seguros, agora o maior desafio é o fornecimento de electricidade. As palavras são de Mykhailo Fedorov, vice-primeiro-ministro e ministro da Transformação Digital da Ucrânia, que esteve esta semana na conferência anual da AWS que termina hoje, em Las Vegas.

Fedorov falou aos jornalistas durante uma conversa com Liam Maxwell, director da transformação digital da AWS, onde fez saber da importância dos dados na preservação da memória e no auxílio da reconstrução da Ucrânia. Entre estes dados incluem-se não só informação governamental confidencial, bem como, por exemplo, todo o registo de propriedade de terras.

A ordem que permitiu a passagem da informação do Governo e das empresas para a cloud (armazenamento remoto) foi dada uma semana antes da invasão russa, a 24 de Fevereiro. Até então, a lei ucraniana obrigava a que muitos desses dados não saíssem do país.

A Amazon Web Services (AWS) foi uma das empresas que prestou auxílio imediato. Maxwell contou que, poucos dias depois da invasão, chegaram ao país dispositivos chamados “Snowball”, uma espécie de caixas todo-o-terreno preparadas para receber e armazenar grandes quantidade de dados, que são depois enviados para servidores em rede. Durante as semanas seguintes estes dispositivos foram ferramentas essenciais para copiar informação não só do Governo, mas também de empresas privadas (nomeadamente de instituições bancárias) e universidades.

Esta enorme quantidade de informação agora salvaguardada será essencial, diz o ministro, para a reconstrução do país. “Eles [a Rússia] não vão conseguir destruir a cloud” afirmou, sublinhando que o maior desafio actual no país é manter o abastecimento de energia eléctrica. Mykhailo Fedorov esclareceu ainda que as ajudas externas têm conseguido manter uma estrutura de comunicações forte: “temos milhares de receptores de satélite, os russos não podem fazer nada”. A não ser que o país fique sem electricidade.

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Mykhailo Fedorov, vice-primeiro-ministro e ministro da Transformação Digital da Ucrânia, passou pela re:Invent em Las Vegas. Há um mês esteve em Lisboa na Web Summit AWS

Uma cloud mais poderosa, barata e sustentável

O re:Invent é o grande encontro anual de parceiros e clientes da Amazon Web Services. Esta semana decorreu em Las Vegas a 11.ª edição. Adam Selipsky, director executivo da AWS, fez da sessão de abertura palco para apresentação de novos produtos, mas também um manifesto de sustentabilidade. A rede de armazenamento e computação remota (que conhecemos por cloud) da Amazon é a maior do mundo e por isso assume a responsabilidade de ser um exemplo de eficiência energética.

Foi apresentado em Las Vegas novo hardware (infra-estrutura, processadores) e software para acelerar a velocidade de processamento e reduzir o consumo energético, argumentos que permitem, diz a Amazon, reduzir o custo das empresas.

No primeiro dia da conferência, na segunda-feira, o vice-presidente da AWS Peter DeSantis anunciou novas ferramentas tecnológicas para sustentar o aumento da eficiência, mas também a transição para uma operação assente em energia 100% renovável em 2025 — dizem já ter cumprido 85% desse objectivo.

Já na quarta-feira, o também vice-presidente Swami Sivasubramanian enalteceu as virtudes da cloud na gestão das bases de dados e do que as empresas podem extrair delas, nomeadamente nas ferramentas de machine learning que permitem processar e organizar a informação — é algo que escapa ao conhecimento comum mas que é bastante bem entendido pela comunidade tecnológica: a cloud já não é só um sítio onde são armazenados dados, mas uma poderosa plataforma de processamento.

Estas conferências, mas sobretudo os laboratórios e salas de exposição são eminentemente técnicas e funcionam como montra daquilo que a Amazon Web Services (AWS) tem para vender. A escala é imensa: os 50 mil participantes presenciais e os 300 mil que assistem remotamente fazem da re:Invent uma das maiores feiras de tecnologia do mundo.

A diferença deste para outros grandes certames, nomeadamente a Web Summit, é o facto de todas estas empresas (cerca de 100 estão representadas com expositores, entre elas a portuguesa OutSystems) partilharem entre si o recurso à plataforma de computação da AWS.

Para além deste pequeno (grande) pormenor, a re:Invent não é uma feira distinta das outras: uma volta pelos expositores revela empresários e técnicos que demonstram as suas tecnologias, sobretudo software, que estabelecem contactos e fazem negócios, dentro e fora do imenso emaranhado de salas e corredores situados por baixo dos hotéis de Las Vegas.


O PÚBLICO viajou a Las Vegas a convite da AWS

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