Portugal perde com a Coreia e quase entregava o “ouro” no Mundial

Todos neste jogo se colocaram a jeito: Portugal de perder o primeiro lugar e a Coreia de ir para casa sem muito fazer para marcar. No fim de contas, nenhuma das premissas aconteceu.

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EPA/Rungroj Yongrit

Há 20 anos, um Coreia-Portugal teve um soco de João Pinto a um árbitro. Desta vez, foram os coreanos a darem um “soco” a Portugal, com um triunfo (2-1), na 3.ª jornada, que poderia ter “roubado” à selecção o primeiro lugar do Grupo H no Mundial 2022. A sorte portuguesa é que o Gana não venceu o Uruguai e, nessa medida, o “soco” não doeu como poderia ter doído.

Porém, toda a gente neste jogo se colocou a jeito: Portugal colocou-se a jeito de perder o primeiro lugar e a Coreia colocou-se a jeito de ir para casa sem muito fazer para marcar. No fim de contas, nem uma coisa nem outra aconteceram, mas europeus e asiáticos têm muito para reflectir antes dos “oitavos”.

O jargão do “futebolês” diz-nos que é fácil fazer o Totobola à segunda-feira, mas é disso que se faz uma análise a um jogo. Nessa medida, não há como fugir: a opção de rodar a equipa saiu mal a Fernando Santos. Mas, sejamos justos, até parecia ter saído bem.

O jogo estava perfeitamente controlado e os coreanos pouco ou nada fizeram para chegarem ao golo na segunda parte. Mas, em rigor, Portugal também não. Não precisava? Não. Mas um candidato ao título não precisa de sofrer assim. E muito menos de sofrer porque achou que controlar Son, o “mascarilha” da Coreia, não era importante o suficiente nos minutos finais.

Se de algo valeu este golo de Hwang, com assistência de Son, foi para ver a alegria asiática nas bancadas. E eles previram aquilo. De cabeça no computador no início da correria de Son, fui chamado à atenção pela barulheira dos coreanos que o viam a correr campo fora. Eles sabiam o que ali vinha e quiseram dar um empurrão. Empurraram-no eu agradeço, porque, sem isso, teria perdido aquele momento.

Um convite coreano

Portugal veio para este jogo com um “onze” com seis habituais suplentes – e surpreendeu que os que ficaram, além de Costa, Cancelo e Neves, tenham sido Ronaldo e Pepe, aqueles cuja idade porventura mais repouso aconselharia.

Com o “onze” escolhido, a matriz de jogo deveria manter-se, até por jogadores associativos como Horta e João Mário terem ganhado a corrida a Rafael Leão.

O melhor jogador da Liga italiana parece continuar a ser, para Fernando Santos, um “peixe fora de água” neste novo modelo de jogo de Portugal, pelo facto de ser alguém que prefere pedir a bola no pé e no corredor para desequilibrar em drible, mais do que circular em mobilidade e futebol apoiado.

Curiosamente, Portugal acabou por fazer, neste jogo, algo que vinha a faltar nos outros. A posse de bola algo estéril parecia carente de movimentos de ruptura, fossem em diagonais curtas, em profundidade, fossem em largura.

Mesmo que o plano não fosse esse, a selecção acabou por ser convidada a explorar avidamente as alas. Os coreanos, sabendo do excesso de jogo interior de Portugal – que nem tem alas puros – deram os corredores “de borla” para Dalot e Cancelo. E Portugal aceitou o “convite”.

Aos 5’, Dalot pediu a bola no espaço e, depois de um domínio tremendo e de ultrapassar o defensor, cruzou para a finalização de Horta. Aos 15’, mais uma bola larga deu uma jogada de Cancelo. Aos 30’, uma bola no espaço isolou Ronaldo – falhou, mas havia fora-de-jogo. Aos 35’, novamente largura de Dalot acabou com remate do lateral. Aos 36’, mais Dalot a pedir no corredor, com cruzamento para Horta e remate posterior de Ronaldo. Aos 44’, um passe de Dalot deu finalização fraca de Horta.

Serve esta descrição algo exaustiva para ilustrar o quanto Portugal pôde explorar as alas – sobretudo a direita –, mesmo tendo sido essa uma via pouco utilizada nos dois primeiros jogos.

Pelo meio houve golo da Coreia, aos 27’, num canto que bateu nas costas de Ronaldo, que teve uma abordagem algo bizarra, e foi parar aos pés de um dos Kim (no caso Young-gwon) desta equipa.

Curiosamente, esse canto até já “cheirava” a problemas, pela forma como se via a fúria de Fernando Santos perante os posicionamentos defensivos dos jogadores – parecia estar a falar para João Mário, mas nem o médio tinha certeza de que fosse para si.

Defensivamente Portugal não estava a sofrer muito, mas notava-se, por vezes – algo mais visível no estádio do que no televisor –, alguma indefinição nas zonas de pressão, com os jogadores a discutirem uns com os outros, sem saberem quem e quando deveria sair ao portador da bola. E isso foi visível em vários momentos, um deles a dar até um remate de Son em zona frontal, já na segunda parte.

Leão chamado à “recepção"

Mas estava diferente o jogo após o intervalo. Portugal estava a controlar e a Coreia, mesmo precisando de marcar, estava menos capaz de ter a bola, “despachando-a” sem critério quando a recuperava.

Na segunda parte chegou a ser curioso como Portugal já não explorava os corredores por “convite”, mas sim por opção – os médios por vezes chegavam a procurar primeiro a largura, antes de analisarem opções por zonas interiores. Como aos 61’ e 62’ e 77’, quando Cancelo e Dalot apareceram em boa posição na área, depois de pedirem em largura.

Um pouco depois da hora de jogo, Santos fez a substituição habitual: chamou Leão. Mas também chamou Palhinha, para dar mais agressividade, e André Silva, para tentar que existissem movimentos de ruptura que Ronaldo já não estava a dar. E dar descanso ao capitão e a Neves também era importante.

Nesta fase, o jogo continuava “morno”. No lado da Coreia, por clara incapacidade de ligar o jogo. Do de Portugal, porque não tinha de ir atrás de nada e a prioridade era esperar que os asiáticos abrissem espaços – e, em tese, teriam de abrir mais tarde ou mais cedo.

Estávamos nos últimos dez minutos. Para Santos, era hora de “fechar a porta”. Bernardo ajudaria a ter a bola, William ajudaria também nesse pelouro, além de dar robustez a uma dupla com Palhinha.

Resultado: o jogo manteve-se num aborrecido marasmo, tal como já acontecera desde o intervalo, sendo angustiante a forma como os asiáticos, a precisarem de marcar, pura e simplesmente não tinham forma de o fazerem – para tal, precisariam, no mínimo, de ter a bola. Ou se calhar não.

Mesmo mal tocando no bem-maior do jogo, a Coreia conseguiu, num contra-ataque, voltar a expor a fragilidade portuguesa na transição defensiva e até no controlo de jogos – já com o Gana sofreu nas mesmas circunstâncias.

O golo de Hwang deu à Coreia mais uns dias no Qatar, beneficiando do triunfo do Uruguai frente ao Gana e de esse ter sido feito com números insuficientes para garantir vantagem aos sul-americanos.

Paulo Bento poderia, neste momento, estar a fazer a mala, enquanto lamentava o parco futebol ofensivo. Fernando Santos poderia, neste momento, estar a lamentar a perda do primeiro lugar, num jogo que parecia controlado. Mas estão ambos tranquilos. O desporto é isto.

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