As minhas playlists e os prémios da advocacia

Nada contra prémios, sobretudo se forem merecidos. Mas, e lamento se ferir as susceptibilidades de alguns colegas que prezo, tenho a maior das dúvidas sobre estas distinções e o que elas significam.

Como sempre adorei música e me sinto um dj frustrado, descobri há cerca de dois anos uma forma de fazer uma das coisas que sempre quis e que nunca concretizei devidamente, que é pôr música para amigos: passei a fazer quatro listas de músicas por ano, uma para cada estação, partilhando-as depois. E é precisamente aqui que reside o primeiro problema: não tendo redes sociais (com excepção do LinkedIn, por motivos profissionais), a minha partilha é bastante rudimentar. O que faço é aproveitar o mecanismo de partilha do Spotify, escolhendo os nomes das pessoas que eu imagino que vão gostar da minha selecção musical. Nem sempre são as mesmas pessoas e a páginas tantas nem paciência tenho para maturar a escolha. Como considero um abuso enviar mensagens a torto e a direito, não é, pois, difícil perceber que o universo atingido é reduzido.

Verdade seja dita que não tenho grandes problemas com isso. Porém, os meus filhos, que têm entre 15 e 20 anos, não compreendem que assim seja e insistem em fórmulas mais ou menos testadas com vista a eu ser “mais conhecido”. E menos compreendem quando eu lhes respondo que o meu objectivo não é “ser conhecido” e que me estou nas tintas para ter vinte mil “gostos” (na verdade, até lhes disse que, se pudesse escolher, teria vinte mil “gostos”, mas que jamais faria algo para que isso acontecesse). Portanto, e em resumo, lá fico com os habituais 15 seguidores para quem trabalho, e continuarei a trabalhar, afincadamente estação após estação – nem de propósito, Winter is coming…

Vem isto a propósito de algo que se passa no mundo da advocacia – e, muito provavelmente, não apenas nele – e que é a atribuição de prémios. Prémios e mais prémios. Prémios para tudo e todos os gostos. Best Lawyer, Best Corporate Lawyer, Best Tax Lawyer, Best Litigation Lawyer, Best Criminal Lawyer, e por aí afora, para além dos Rising Stars e dos prémios de carreira, dos reconhecimentos nacionais e internacionais e das menções honrosas, que serão ainda mais honrosas no futuro, e das futuras mentes brilhantes que irão, seguramente, elevar ainda mais o nível jurídico para um patamar inigualável de tão excelso, brilhante e premiado.

É raro o dia em que não se anunciam nas redes sociais os prémios ganhos, invariavelmente referindo-se estar orgulhoso por se ter sido o escolhido e por fazer parte de tão fantástica equipa que, só ela, permitiu a atribuição em causa.

Nada contra prémios, sobretudo se forem merecidos e, sem qualquer hesitação, afirmo que alguns serão verdadeiramente merecidos. Mas, e lamento se porventura ferir as susceptibilidades de alguns colegas que prezo, tenho a maior das dúvidas sobre estas distinções e sobre o que verdadeiramente significam. Uma coisa é o reconhecimento inter-pares e pelos clientes e o anúncio desse reconhecimento em directórios específicos que existem há anos e que sempre constituíram uma forma de perceber quem é quem no intrincado mundo da advocacia. É um pouco como umas páginas amarelas qualificadas e de bom gosto, na qual qualquer um pode encontrar o escritório ou o advogado que lá estejam listados. Outra coisa bem diferente é atribuir prémios. Prémios porquê? Porque se ganhou algum caso importante? Porque se interveio na maior operação de M&A? Porque se conseguiu a maior indemnização para o cliente A ou B?

Nunca vi nada disso nem tenho conhecimento que os prémios tenham por base qualquer critério dessa natureza (e, se tivessem, o mesmo seria mais do que discutível). De resto, é a natureza dos próprios critérios de atribuição destes prémios que me suscita as maiores reservas porque, embora já cá ande há algum tempo e conheça relativamente bem o meio profissional em que me insiro, continuo sem perceber os verdadeiros motivos que estão por detrás da atribuição maciça de todos estes prémios na advocacia. A mim não me parece simplesmente possível premiar tantos advogados ao mesmo tempo, muitos dos quais nas mesmas áreas de prática (!), sem se tornar evidente que algo parece errado, mas se calhar sou eu que vejo mal.

Tenho para mim que os prémios não são, tal como deviam, um fim em si mesmo, um corolário de algo que se fez previamente, mas sim um mero meio para atingir uma outra coisa que me leva de volta à história das minhas listas de música: notoriedade. Hoje em dia vale tudo em busca de notoriedade e parece já pouco válido o trabalho sereno, resiliente e duradouro feito ao longo dos anos porque não só não vende tão bem, como demora demasiado tempo a ser conhecido, para além de, muito provavelmente, nunca chegar a ser tão conhecido. Os prémios são uma moda e querem, a meu ver, dizer muito pouco ou mesmo nada de tão comuns que se tornaram. A verdadeira distinção começa a ser não ter prémio. É o ridículo paradoxal.

Nunca ganhei um prémio – e tenho, naturalmente, pena –, assim como não passo dos 15 seguidores das minhas listas de música, mas continuo persistentemente e com entusiasmo a fazer o que sei e gosto e, sobretudo, quero crer, a ter noção do ridículo. Os meus pares que me desculpem e que só enfie a carapuça quem nela couber.

Sugerir correcção
Comentar