António Costa: “O mundo cresceu e a Europa não acompanhou o crescimento”

Num discurso virado para a relação da União Europeia com o resto do mundo, o primeiro-ministro defendeu que é preciso voltar a criar alianças para que a Europa não fique isolada.

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António Costa, primeiro-ministro, falou da relação da Europa com o resto do mundo LUSA/MIGUEL A. LOPES

António Costa quer a Europa no “mapa da competitividade” e pede que o “Velho Continente” reflicta “nas suas relações à escala mundial”. Num discurso de 30 minutos na abertura de uma conferência da CNN Portugal, no Parque das Nações, em Lisboa, o primeiro-ministro analisou os efeitos da guerra na Ucrânia na nova ordem geopolítica e económica e como esta é uma guerra diferente do passado. “O mundo cresceu e a Europa não acompanhou o crescimento do mundo”, considerou António Costa, num discurso virado para Bruxelas e numa conferência onde estava também Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu.

Segundo o primeiro-ministro, é preciso que a União Europeia repense a sua relação com o mundo, porque, se é claro que “a União Europeia gosta muito de se relacionar com todos”, é também claro “que o mundo não é o que era relativamente à União Europeia”. Pelo meio, Costa voltou a posicionar Portugal contra a adesão da Ucrânia, lembrando os perigos de repetir “as promessas falhadas” que nos últimos anos foram feitas aos países Balcãs e defendeu ainda a reforma do Conselho de Segurança da ONU.

“O secretário-geral das Nações Unidas tem sido incansável, mas, manifestamente, o mundo de hoje não é o mundo de 1948. Há novos actores. Tal como o G7 foi evoluindo para G20, esta crise demonstrou um conjunto de novos players à escala global de maior importância”, dando como exemplos a Índia e a Turquia. “Temos de ter em conta que as Nações Unidas têm de espelhar uma nova representatividade do mundo na governance das Nações Unidas”, declarou. Mas ressalvou que “não pode ter direito a veto quem é parte de um conflito ou sabemos como se introduz uma grande desigualdade”. “Quando envolve algum país com direito de veto, as Nações Unidas ficam encolhidas”, disse.

Quanto ao alargamento da União Europeia e à adesão da Ucrânia, Costa lembrou que “por arrastamento” são recuperadas “as múltiplas promessas” que a União “foi fazendo e adiando” e que com “a actual estrutura institucional, com a actual arquitectura orçamental, a UE não tem condições para cumprir as expectativas que agora está a criar”.

Se for “um mero gesto político de ocasião, a União Europeia arrisca-se a multiplicar em todo o Leste europeu o que já aconteceu com décadas de falsas expectativas relativamente à Turquia e o efeito ricochete será um enorme drama”, avisou. Mas, se decidir avançar, então “terá de se reestruturar para não implodir, uma vez que claramente não há condições institucionais nem orçamentais”.

Guerra é um conflito longínquo para o resto do mundo

Em 1939, uma guerra na Europa foi uma guerra mundial. Hoje não é. Basta falar com os líderes da América Latina, com os líderes da Ásia e com os líderes africanos. Eles condenam esta guerra, mas não é a sua guerra”, argumentou Costa, lembrando que este é um conflito longínquo para o resto do mundo e que esta “é mesmo sentida como uma guerra na Europa e no contexto europeu”. Para o primeiro-ministro, esta mudança mostra que “hoje a Europa é relativamente mais pequena no mundo do que foi anteriormente”. Por isso, é preciso que a Europa crie novos laços e aposte “numa política de aliados” e “acarinhe amigos e faça amizades no mundo”.

Optimista assumido, Costa defendeu que “a globalização não está morta”, mas a “experiência pandémica” obrigará a uma “reorganização das cadeias de valor”. “Não podemos ter um mundo em que uma empresa e um só país produzem 90% de todas as vacinas que serão distribuídas ao mundo”, declarou.

Costa falou também da política comercial e da política agrícola, defendendo que é preciso reformular ambas. Se a política comercial “tem de ser equilibrada e de interesse mútuo”, a agrícola cria demasiado “proteccionismo dentro da Europa” dificulta o desenvolvimento de países.

O primeiro-ministro defendeu que a crise energética deverá servir para combater as alterações climáticas. Costa disse ser “relativamente animador não se ter concluído a COP27 num bloqueio”. Porém, lamenta que o acordo tenha sido “em mínimos, quando neste momento o que precisamos de fazer é em máximos”. Até porque a dependência energética é uma ameaça “à segurança dos Estados”, avisou.

“O jornalismo é o verdadeiro teste PCR”​

No arranque da sua intervenção, António Costa alertou para o risco resultante da desregulação dos mercados que se coloca ao jornalismo profissional. “Quando o jornalismo começa por imitar acaba por legitimar o que é falso [fake]. Nessa altura, o que devia ser o original passa a ser o falso do falso [o fake do fake] e perde o seu elemento diferenciador”, justificou.

“O que acontece na política a muitos partidos da direita democrática face à direita populista é o que não pode acontecer no jornalismo, sob pena da democracia perder um dos seus principais alimentos, que é a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa”, declarou.

O primeiro-ministro defendeu a importância do jornalismo, “que permite distinguir a verdade da mentira; aquele que permite contextualizar evitando a generalização fácil; aquele que permite explicar o que é complexo, que assegura o pluralismo, o contraditório; e aquele que permite preservar a memória, possibilitando a comparação para se perceber o caminho que está a ser seguido”.

“Precisamos de uma cidadania informada como vacina contra os populismos. E só o jornalismo informado garante essa cidadania informada. No mundo em que vivemos, como alguns designam em ‘situação de infodemia’, o jornalismo é o verdadeiro teste PCR entre a verdade e a mentira”, concluiu.

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