Carta de “uma miúda com 20 anos e muitos sonhos” na COP27

O destino trocou-lhe as voltas e esta miúda participou na COP27, em Sharm el-Sheikh, no Egito. “Foi uma das semanas mais caóticas e simultaneamente fantásticas da minha vida!”

Uma miúda de 20 anos, com muitos sonhos. Um deles, desde pequena, de, um dia, trabalhar numa das várias valências da ONU. Uma miúda com preocupações ambientais, sociais, humanas. Uma miúda para a qual a presença numa COP era um sonho tão alto que não lhe passaria nunca pela cabeça chegar a vivê-lo. Até porque um dos seus outros sonhos era que, quando tivesse idade suficiente para poder participar nas negociações da cimeira, esta já não existisse. Não faria sentido, porque tinham entretanto sido tomadas todas as medidas ao alcance da humanidade para combater as alterações climáticas. As COPs seriam já apenas uma das vitórias humanas estudadas nas aulas de História, como tantas outras negociações de sucesso ao longo do tempo.

O destino trocou-lhe as voltas e esta miúda participou na COP27, entre os dias 2 e 12 de novembro, em Sharm el-Sheikh, no Egito. Foi uma das semanas mais caóticas e simultaneamente fantásticas da minha vida! Uma semana em que as aprendizagens eram uma constante, e tão intensas que, por vezes, se tornava necessária uma pausa para respirar. Mas como em tudo na vida, uma moeda tem dois lados e, na Cimeira das Nações Unidas, nem tudo foi perfeito.

Uma cimeira marcada pela diferença

Numa COP27 comummente conhecida como “a COP Africana, em África e para África” era notável a diversidade. Desde o momento em que se entrava num dos autocarros elétricos da rede que ligava todos os hotéis da cidade egípcia ao local da conferência, eram claras as diferenças de cores, línguas, trajes e opiniões dos presentes da conferência.

Desde participantes das negociações a cientistas, passando por jovens, representantes políticos e de diferentes ONGs, o percurso de autocarro era um ponto de partida para discussões e conexões estabelecidas, despidas de preconceitos ou ideias pré-concebidas, sendo este um dos momentos que, parecendo uma necessidade funcional, é um dos meus destaques da semana.

Ainda assim, esta diversidade levou a cabo diversas discussões que, sendo informais, não deixaram nunca de se mostrar interessantes: “é esta a diversidade que necessitamos, ou apenas uma ilusão? Estaremos nós a fazer tudo o possível para garantir que, não só nacionalidades mas diferentes estratos sociais estejam também presentes? Para que agricultores e tantas outras vertentes da sociedade altamente afetadas pelas alterações climáticas e especialmente vulneráveis, tenham voz? Ou estamos nós a deixar que apenas as classes sociais disponíveis para suportar as elevadas despesas que a participação na cimeira em Sharm el-Sheikh implica tomem decisões por e para todos?”

(In)segurança?

A segurança apertada à entrada do recinto, tal como por toda a cidade, deixava clara a importância do evento, bem como dos seus participantes. Esta salvaguarda para os mais de 35.000 presentes na cimeira criou desconforto em muitos, especialmente pela sua discrepância com as leis de um país no qual a segurança, nomeadamente de manifestantes, está aquém do desejável em 2022 [importante notar que, no Egito, as manifestações e protestos são proibidos e punidos por lei].

Este foi, aliás, um dos momentos mais intrigantes da COP27: compreender até que ponto seria possível a expressão da sociedade no geral, através de manifestações. A verdade é que, depois de muita especulação, foi sim possível ver manifestações e ações de protesto pelo clima no âmbito daquela que é a maior conferência para as alterações climáticas a nível global. Estas aconteciam, no entanto, em âmbitos consideravelmente diferentes dos visíveis nas anteriores COPs - no interior do recinto da conferência, para o qual era necessário uma carta da UNFCCC ​[Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas] para aceder. Assim, estavam apenas abertas aos participantes cujo acesso à Blue Zone [zona azul, onde decorriam as negociações] havia sido garantido e não ao público em geral.

Dar Voz ao Mundo

Como escutei durante a cimeira: “o microfone foi dado”. Foi dada a oportunidade aos jovens, comunidades indígenas e tantos outros atores de se expressarem: os seus desejos, necessidades, pedidos e opiniões. Tantas pessoas com ideias inovadoras, inspiradoras que, sendo-lhes dada a relevância que merecem, podem revolucionar o mundo e garantir para todos aquilo que eu, como tantos outros, aspiro: o direito a um futuro! Agora, é garantir que quem de direito, aqueles com poder decisivo, “tenham ligado o cabo ao microfone, fazendo assim com que este possa ser ouvido”.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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