Fernando Campana (1961-2022), um dos irmãos que mudaram o design brasileiro

Fundou o Estúdio Campana com o irmão e juntos revolucionaram nos anos 80 o design brasileiro com os seus sofás estofadas com ursinhos de peluche. Designer tinha 61 anos.

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Os irmãos Campana no salão de Design em Miami (2007) Rodrigo Varela/WireImage/getty images
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Há uma irreverência na obra dos irmãos "designers" que cruzava o limiar do desenho industrial para entrar na seara da arte contemporânea

Metade da dupla formada com o irmão Humberto, o designer Fernando Campana morreu aos 61 anos na quarta-feira, divulgou a Galeria Luciana Brito, sem revelar a causa da morte. O artista notabilizou-se nas últimas três décadas pelo desenho de móveis feitos sobretudo a partir de materiais inusitados, como poltronas estofadas com ursinhos de peluche. Mas suas obras também se espalharam pelas áreas de projectos de interiores, arquitectura, paisagismo, cenografia, arte e moda.

Formado em Arquitectura, Fernando era o mais novo dos irmãos, ambos criados em Brotas, no interior de São Paulo. Os dois, que criaram o Estúdio Campana em 1984, assinaram projectos para marcas como Alessi, Baccarat, Edra, Fendi, H. Stern, Lacoste, Louis Vuitton ou Melissa e estão representados nas colecções dos grandes museus.

Os Campanas afirmaram-se como uma potência do design brasileiro por oposição à cartilha construtivista, modernista e corbusieriana, que imperava nos trópicos, apadrinhada por Oscar Niemeyer.

A ousadia no uso dos materiais, a incorporação sem medo da cultura pop, do kitsch, do alegórico carnavalesco, sempre orientou os projectos da dupla (o MoMA, em Nova Iorque, dedicou-lhes uma exposição em 1998). Mas a base tinha uma ligação profunda com a ambivalência do design brasileiro, um pé na limpeza escandinava, nas curvas reluzentes do suíço Max Bill, e outro nas escolas de samba.

Irreverência

O design dos Campanas, que fazia frente sem medo aos excessos de um Philippe Starck, é exagerado como o barroquismo do Brasil exige e permite. É inspirado na banalidade do ursinho de peluche chinês, mas igualmente na inventividade das rendeiras caiçaras (Ceará) e dos trabalhadores do couro nordestino.

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Poltrona Urso de Peluche Estúdio Campana

Há uma irreverência na obra dos irmãos designers que passava o limiar do desenho industrial para entrar na seara da arte contemporânea, patente na exposição mais recente na Galeria Luciana Brito, em São Paulo, que mistura elementos da arte pop com acenos claros à excelência do improviso brasileiro.

O ready-made tinha lugar de destaque na poética da dupla. O poder dos irmãos Campanas alimentou-se da sua atenção ao Zeitgeist, da estética adocicada da favela no mundo pop ao design dos temas identitárias inspirados no mais rentável e visível do mobiliário viralizável.

“O Brasil não é um país cartesiano, é cheio de misturas”, disse Fernando Campana sobre a forma como o país inspira o trabalho da dupla numa entrevista à Folha de S. Paulo há dois anos, quando os irmãos tinham uma exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. A mostra reunia 80 peças criadas ao longo de 35 anos de carreira, entre poltronas, sofás, tapetes, lustres e móveis. “É atraente sobretudo para crianças, vai ser um problema para a segurança do museu”, brincou Fernando Campana na altura.

“Hoje não existem fronteiras entre as artes, a pessoa pode ser performática mesmo sendo jardineiro. Nós trabalhamos com figurino, cenografia, paisagismo, arquitectura, esculturas”, acrescentou.

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Cadeirão Sobreiro, uma das peças da linha de mobiliário em cortiça feira com o apoio da Corticeira Amorim Estúdio Campana

Em 2009, os irmãos fundaram o Instituto Campana, que procura resgatar técnicas artesanais, trabalhar com inclusão social e preservar a obra da dupla. Há na exposição da Galeria Luciana Brito uma poltrona feita com ursinhos de couro confeccionados por mulheres ligadas a homens que estão no sistema prisional no interior de São Paulo ou um tapete com bonecos de tecido costurados por mulheres do interior da Paraíba.

(A dupla de designers brasileiros criou em 2018 uma linha de mobiliário intitulada Sobreiro com o apoio da Corticeira Amorim, composta por um cadeirão e três cabinets, apresentada na Experimenta Portugal, uma iniciativa do Consulado Geral de Portugal em São Paulo, dedicada à arte e cultura luso-brasileiras.)

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