Depois de conquistar montanhas, o Palmeiras ganhou a maratona
Equipa de Abel Ferreira foi campeã brasileira pela 11.ª vez, numa campanha em que só teve uma vitória nos primeiros cinco jogos.
Os grandes clubes europeus têm razão quando se queixam do calendário carregado, entre competições nacionais e internacionais. O Real Madrid, por exemplo, fez 58 jogos oficiais em 2021-22, época em que foi campeão espanhol e ganhou mais uma Liga dos Campeões. Mas parece muito pouco quando comparado com o que os grandes clubes brasileiros têm de aguentar todas as temporadas, entre campeonatos estaduais, nacionais e as provas continentais. O Palmeiras foi campeão brasileiro antes de disputar o seu 71.º jogo da época, beneficiando da derrota do Internacional de Porto Alegre frente ao América Mineiro, e, depois, fez a festa com uma goleada (4-0) ao Fortaleza, naquele que foi o sexto título em apenas dois anos com Abel Ferreira ao comando.
Foi há precisamente dois anos (a 3 de Novembro de 2020) que o penafidelense foi apresentado como novo treinador de um clube que não gosta de passar muito tempo sem ganhar, ocupando o lugar que antes tinha sido de Wanderlei Luxemburgo e Luiz Felipe Scolari, dois “gigantes” do futebol brasileiro. Abel tinha de lidar com a falta de currículo (no escalão sénior, só tinha treinado Sp. Braga e PAOK Salónica) e enfrentar as comparações com o sucesso do compatriota Jorge Jesus, no Flamengo. “Toda a gente desconfiava deste ‘tuga’ que vinha do PAOK — ninguém sabe quem é o PAOK”, relembrou Abel Ferreira, após a goleada de celebração do título de campeão.
Foi a 11.ª vez que o Palmeiras venceu o Brasileirão, reforçando o seu domínio na competição — Santos e Flamengo têm oito títulos — e recuperando o ceptro após apenas três anos de jejum. Ainda com três jornadas por disputar, esta já pode ser considerada como a melhor época do Palmeiras no século XXI: em 71 jogos, ganhou 47, empatou 18 e perdeu seis, marcando 139 golos e sofrendo 45.
Era este o título que faltava a Abel no comando do gigante paulista, não apenas por uma questão de enriquecer o palmarés, mas pela própria natureza da competição, que premeia a regularidade e não a competência nos jogos de “mata-mata” — essa competência já ficara bem demonstrada nas duas vezes que o técnico português vencera a Taça Libertadores, primeiro em 2020, com um golo de Breno ao nono minuto do tempo extra na final com o Santos, depois em 2021, com Deyverson a ser o herói no prolongamento, frente ao Flamengo.
Abel igualou Scolari
A verdade é que a carreira do Palmeiras no Brasileirão não começou bem. Arrancou com uma derrota frente ao Ceará de Dorival e só conseguiu vencer à quarta jornada. Mas, quando chegou à liderança do Brasileirão, à 10.ª ronda, nunca mais a largou. Só perdeu duas vezes, na primeira jornada com o Ceará e à 15.º com o Atlético Paranaense, e pode bem terminar a época como o campeão com menos derrotas da história do Brasileirão — o recorde é partilhado pelo São Paulo de 2006, Palmeiras de 2018 e Flamengo de 2019, todos campeões com quatro derrotas.
Por tudo o que já conquistou, há quem já considere Abel Ferreira como o melhor treinador da história do histórico clube paulista fundado por italianos. Já igualou o número de títulos conquistados por Scolari (seis), mas com mais títulos continentais, duas Libertadores e uma Supertaça sul-americana — mais um Brasileirão, um campeonato paulista e uma Taça do Brasil. Mas o eterno insatisfeito Abel, que tem contrato até 2024, quer mais: “Confesso que sou ambicioso, é difícil ficar satisfeito com o que já ganhei. Estou a pensar em mobilizar e continuar a ganhar. Não são só os títulos, mas as batalhas que tivemos. Mágico é aquilo que não se vê, o que esse grupo fez poucas pessoas puderam ver.”
E que grupo foi este do qual Abel tanto se orgulha? Teve uma importação recente do campeonato português, Bruno Tabata, mas o ex-Sporting pouco influenciou as conquistas do “verdão”, ao contrário de Dudu, o experiente médio ofensivo que se sagrou tricampeão com o Palmeiras, depois dos títulos em 2016 e 2018. O dono da camisola 7, que chegou ao clube em 2015 e que teve uma passagem pelo Qatar, foi mais uma vez decisivo, contribuindo com golos e assistências para mais uma época de grande nível.
Entre os muitos que estiveram em grande, destaque ainda para Rony, o melhor marcador da equipa (27 golos), os centrais goleadores Murillo e Gustavo Gómez, o médio Gustavo Scarpa, ou o jovem de apenas 16 anos Endrick, que foi aposta de Abel na fase final da época. Os adeptos até pediam mais tempo de jogo para o jovem craque, mas Abel preferiu resguardá-lo e só o lançou a titular no jogo da consagração. Endrick marcou o seu terceiro golo da época (em cinco jogos) e Abel acredita nele para o futuro: “A minha decisão era tê-lo na altura certa. Quem sabe quando ele joga, sou eu. É um jogador fora da caixa para a idade que tem.”