Se os eleitores brasileiros rejeitarem Bolsonaro, não esperem que ele saia em silêncio

Encurralado por uma coligação de centro-esquerda, o actual Presidente pode tentar um golpe ao estilo assalto ao Capitólio, nos EUA.

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Não se sabe se as Forças Armadas, a polícia militar ou as milícias do Brasil apoiariam Bolsonaro Ricardo Moraes/Reuters

Aconteça o que acontecer nas eleições de hoje, o Brasil prepara-se para uma mudança de rumo. O actual Presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro, terá que fazer aquilo que parece impossível para derrotar o seu rival de centro-esquerda. Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente durante dois mandatos, tem obtido resultados consistentes nas sondagens entre os 45% e os 47%. Actualmente, Bolsonaro está 12 pontos abaixo da coligação de 10 partidos que apoiam Lula. Uma segunda volta a 30 de Outubro parece provável.

Mas, jogando na defensiva, Bolsonaro pediu de empréstimo uma página da cartilha de Donald Trump. Se perder, simplesmente culpará os media, as sondagens e o processo eleitoral. Se conseguir que as Forças Armadas ou as milícias intervenham, tanto melhor. Afinal, o Brasil passou por quatro golpes militares bem-sucedidos desde que o país se tornou uma república em 1889, um dos quais durou 21 anos. Embora nos Estados Unidos os generais se tivessem recusado a ajudar Trump a reverter os resultados das eleições, ainda não é claro se os seus colegas brasileiros farão o mesmo. Até agora, a campanha eleitoral foi marcada pela violência dos apoiantes de Bolsonaro contra o Partido dos Trabalhadores de Lula, o que levou a pelo menos duas mortes.

Nas últimas semanas, Jair Bolsonaro tentou suavizar a sua imagem para atrair as mulheres e os eleitores indecisos. As sondagens indicam que a sua bravata hipermasculina e os ataques contínuos contra mulheres jornalistas afastaram muitas potenciais apoiantes. Como resultado dessas atitudes, Lula tem uma vantagem de 20% entre as mulheres.

No entanto, em comícios políticos patrocinados pelo governo em Setembro Bolsonaro voltou à sua retórica machista tradicional. Afirmou que toda a gente tinha inveja de si porque a sua terceira esposa era uma “princesa”. E também se gabou da sua virilidade, numa alusão às suas supostas proezas sexuais, o que deixou muitos estupefactos.

Bolsonaro foi catapultado para o palácio presidencial há quatro anos em circunstâncias incomuns. Lula, o favorito do Partido dos Trabalhadores nas eleições de 2018, foi condenado por lavagem de dinheiro e corrupção e sentenciado a 12 anos de prisão. Impedido de concorrer, o seu candidato à vice-presidência, Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e ministro da Educação do governo Lula, teve menos de seis semanas para conquistar o apoio dos eleitores. Mas o apoio a Bolsonaro, um ex-capitão do Exército e deputado federal do Rio de Janeiro, aumentou depois de ter sido esfaqueado durante um comício eleitoral e acabou por derrotar Haddad (55% contra 45% na segunda volta). A sua vitória dependeu em parte do apoio maciço de cristãos evangélicos conservadores, que agora representam mais de 31% da população brasileira.

A nomeação de ideólogos de extrema-direita por Bolsonaro para muitos cargos de topo no governo deu o tom para o novo executivo. Em termos internacionais, alinhou-se de imediato com a administração Trump e mostrou admiração por Putin. Assim que chegou ao poder, o Presidente brasileiro fez cortes de orçamento severos na educação, saúde e serviços sociais. Incentivou o desmatamento da Amazónia e apoiou a invasão de territórios indígenas a favor de interesses de empresas mineradoras e madeireiras. Para além disso, Bolsonaro intensificou guerras culturais, entre outras questões, denunciando a “ideologia de género”, que era um ataque frontal aos movimentos feminista e LGBT+.

No entanto, a forma desastrosa como lidou com a pandemia de covid-19 alienou muitos apoiantes — recusava-se a usar uma máscara, por exemplo. Em plena crise pandémica, aconselhou tratamentos médicos falsos à la Trump e travou a implementação de um programa de vacinação eficaz. Nessa altura, ordenou que o conteúdo do seu cadastro médico permanecesse selado durante 100 anos. Ao demonstrar pouca compaixão pelos 680.000 brasileiros que morreram com o vírus, o apoio a Bolsonaro caiu significativamente. Segundo uma sondagem recente, 52% do eleitorado não tinha intenção de votar no actual Presidente.

Enquanto isso, Lula cumpriu 580 dias de prisão e conseguiu sair em liberdade depois de o Supremo Tribunal ter rejeitado as acusações contra si com base em tecnicismos e falta de provas. Finalmente elegível para concorrer à presidência, o ex-presidente subiu de imediato nas sondagens.

Até agora, as tentativas de Bolsonaro de minar o sistema de votação do Brasil foram recebidas com forte resistência. O país defende há muito os seus direitos democráticos de voto – há 90 anos que um tribunal especial supervisiona o processo eleitoral, uma instância chefiada por um membro da Supremo Tribunal. Em 1996, o Brasil substituiu os boletins de papel por urnas electrónicas, que até agora provaram ser à prova de fraude. Em Agosto, e em resposta aos apelos de Bolsonaro para que as Forças Armadas controlem os resultados das eleições, alguns dos mais proeminentes advogados e figuras públicas do país divulgaram um manifesto em defesa da democracia, assinado por um milhão de brasileiros, incluindo importantes empresários, associações empresariais, sindicatos e organizações de direitos humanos.

A administração Biden também pesará nestas eleições, com representantes dos departamentos de Estado e de Defesa dos EUA a divulgarem declarações a expressar a sua confiança no sistema eleitoral brasileiro e alertando para qualquer possível movimento de Bolsonaro que possa ser considerado um golpe. Sabendo que Lula está à frente nas sondagens, os EUA dão sinais de que podem conviver com um governo de centro-esquerda liderado pelo Partido dos Trabalhadores. As organizações da sociedade civil brasileira também pediram aos líderes de todo o mundo que reconheçam os resultados das eleições.

No entanto, permanece a dúvida se Bolsonaro fará o mesmo. Assim como Trump, muitas das suas declarações públicas são ambíguas. Se num dia declara que vai respeitar os resultados eleitorais, noutro insiste que as sondagens estão erradas e que ele terá 60% dos votos na primeira volta — e se não obtiver esse resultado, será por causa de fraude eleitoral. Bolsonaro já mostrou que consegue mobilizar os seus apoiantes para as ruas. Muitos participam nos seus comícios com cartazes carregados de ataques ao Supremo Tribunal e pedindo uma intervenção militar no país.

Não se sabe se as Forças Armadas, a polícia militar ou as milícias do Brasil apoiariam Bolsonaro numa tentativa semelhante ao que aconteceu no assalto ao Capitólio dos EUA, no dia 6 de Janeiro. É provável que as suas ameaças sejam apenas uma forma de consolidar a sua base de apoio, que se situa à volta de 30% do eleitorado, como um bloqueio de pressão para futuras negociações para evitar processos criminais por suposta má gestão governamental e corrupção. Ou talvez recorra à violência. Ao que tudo indica, esta é a eleição mais importante desde que o Brasil voltou a ser um regime democrático, no final dos anos 1980.

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