O papel dos genéricos na reforma da saúde

Para a fundação de sistemas de saúde mais robustos e economicamente equilibrados, é necessária uma política de incentivo cada vez mais forte, rumo à substituição de medicamentos de marca por medicamentos genéricos.

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Roberto Sorin/Unsplash

Segundo a Constituição da República Portuguesa, no Artigo 64.º, o “direito à protecção da saúde é realizado: através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito”.

Contudo, a despesa dos Estados-membros da União Europeia com os cuidados de saúde tem vindo a aumentar cada vez mais, fruto do aumento dos gastos com a indústria farmacêutica. Haverá solução para este problema?

É importante entender as dimensões do mercado do medicamento na União Europeia. Segundo dados disponíveis em relatórios da Comissão Europeia, verificamos que a despesa pública e privada com a saúde nos Estados-membros da UE ronda os 6 a 11% do PIB, e corresponde a cerca de 2% do PIB da União Europeia. Da despesa global com a saúde, 17% corresponde à despesa com a indústria farmacêutica, o que perfaz um total de 138 mil milhões de euros.

Neste mercado, há um factor que interfere com a sua dinâmica interna. Estamos naturalmente a falar dos direitos de propriedade industrial, mais concretamente as patentes. Este mecanismo é bastante importante para as empresas farmacêuticas que investem em actividade de investigação e desenvolvimento, dado que, através do poder de monopólio que lhes é conferido, as empresas podem obter retorno e lucro destes mesmos produtos. Este mecanismo permite a distinção no mercado entre medicamentos de marca e medicamentos genéricos.

Os medicamentos de marca são produtos inovadores conhecidos por terem uma marca comercial bem conhecida e segurança cientificamente comprovadas. Os medicamentos genéricos são medicamentos que surgem após a protecção conferida pela patente do medicamento de marca expirar, apresentam o princípio activo semelhante ao do medicamento de marca e podem substituir os medicamentos de marca, normalmente por um preço mais acessível.

De facto, há estudos que demonstram o impacto económico que os medicamentos genéricos podem ter no mercado do medicamento. Simoens, em 2008, desenvolveu um estudo em onze países da UE e concluiu que, numa economia em que houvesse uma substituição dos medicamentos de marca por medicamentos genéricos, poderiam poupar-se cerca de três mil milhões de euros. Este pode ser um caminho que a União Europeia, em conjunto, pode procurar para diminuir a despesa dos serviços de saúde com medicamentos, em todos os Estados-membros.

Para iniciar este percurso de transição para um mercado de medicamentos genéricos verdadeiramente eficaz é necessária a aplicação de políticas de saúde ousadas. Como exemplos, podemos referir a utilização dos sistemas de prescrição electrónica por denominação comum internacional, isto é, a aplicação de sistemas electrónicos de prescrição médica que permitam dissociar marcas de medicamentos de patologias, assumindo a composição farmacológica activa como a determinante fulcral da opção clínica, adequando assim a competitividade no mercado do medicamento.

A acrescentar a esta política, também se podem aplicar incentivos a farmacêuticos e aos próprios pacientes. No caso dos farmacêuticos, poucos são os países que os incentivam a substituir um medicamento original por um genérico. Nos Países Baixos, os farmacêuticos são incentivados a dispensar medicamentos a preços inferiores ao preço de referência, podendo beneficiar de um terço da diferença entre o preço do medicamento de marca e do preço do medicamento genérico. Este é um claro exemplo de uma política que poderá servir de força motriz para iniciar a transição para a economia de substituição genérica.

Para os pacientes, é necessário uma aposta em campanhas de promoção da confiança, segurança e eficácia dos genéricos, desenvolvidas por médicos e farmacêuticos, de forma a auxiliar a sociedade a entender melhor as diferenças financeiras, químicas e farmacológicas entre ambos os produtos, sensibilizando a população e combatendo muitas das vezes o estigma associado a este tipo de medicamentos.

Posto isto, para a fundação de sistemas de saúde mais robustos e economicamente equilibrados, é necessária uma política de incentivo cada vez mais forte, rumo à substituição de medicamentos de marca por medicamentos genéricos. Este pode ser um caminho bastante útil, desde que devidamente regulado e supervisionado, para o combate à precariedade dos sistemas de saúde.

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