Marcelo pede a políticos que sejam um “exemplo de vida” para que a liberdade e democracia não recuem

O Presidente da República alertou para as ameaças à democracia e lembrou que a Constituição não é garante de nada. “Palavras são importantes, mas só palavras leva-as o vento”, afirmou.

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Marcelo Rebelo de Sousa discursou no encerramento da celebração LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

No encerramento da celebração dos 200 anos da Constituição de 1822, o Presidente da República pediu aos políticos - e não só - que sejam “um exemplo de vida” para que a liberdade e democracia não recuem e não sejam alimentados “saudosismos” e “para que o povo nunca caia na tentação” de voltar à ditadura.

Na sua intervenção, Marcelo Rebelo de Sousa avisou os presentes, em especial os “principais protagonistas políticos, económicos e sociais”, ao pedir “um constante exemplo de vida, de humildade, de proximidade, de responsabilidade, de solidariedade”, ou os valores da “liberdade e democracia não avançam, recuam”.

Para Marcelo, mais do que celebrar a Constituição de 1822, importa “não repetir os erros, as omissões, os atrasos, os retrocessos do passado e reter neles aquilo que foi portador de esperança e de futuro”.

“As promessas de 1822 demoraram décadas”, reconheceu o chefe de Estado, até porque “haver uma Constituição por si só nada garante”. O texto constitucional “pode ser antiliberal e antidemocrática e encobrir o poder absoluto” ou “porque para isso aponta ou porque simula o que não é, na chamada Constituição semântica, permitindo que a sua aplicação subverta princípios fundamentais que se propunha salvaguardar”, notou, dando como exemplo a Constituição que vigorou durante a ditadura salazarista.

“O essencial é interrogarmo-nos como foi possível que as promessas de 1822, circunscritas que fossem por exemplo no sufrágio limitado e visão colonial e total incompreensão do futuro imediato do Brasil, sofressem tanto por tanto tempo”, indagou, para logo completar com a resposta. “É impossível construir a liberdade sem que ninguém a defenda”, afirmou, “primeiro por liberais, depois por democratas”.

O Presidente da República afirmou que “é extremamente difícil construir a liberdade com oposição militante” e que é “uma ilusão pensar-se que não podem surgir novos tropismos antiliberais e antidemocráticos”.

Além disso, as “crises internas e externas, as fragilidades, as incompetências, injustiças, pobrezas e desigualdades alimentam saudosismos e apelos de caminhos mais diversos em que liberdade e democracia podem vir a valer menos do que temor, securitarismo e autoritarismo”, alertou, sendo aplaudido pelas bancadas do PS e do PSD. E apelou que se construa a liberdade “todos os dias”.

O chefe de Estado pediu “passos de progresso e de justiça, mesmo que o caminho tenha altos e baixos” (leia-se pandemias, guerras e crises económicas) ou “liberdade e democracia não avançam, recuam”.

A intervenção do Presidente da República foi aplaudida de pé pelas bancadas do PS e PSD enquanto as restantes aplaudiram sentadas, à excepção da do Chega, que não aplaudiu Marcelo Rebelo de Sousa.

Antes, o presidente do Parlamento, Augusto Santos Silva, defendeu que os democratas de Abril são politicamente liberais. “Nós, os democratas da Constituição de Abril, somos politicamente liberais; a nossa democracia é uma democracia liberal; o liberalismo político oitocentista está na matriz do que hoje somos, como regime representativo, pluralista, ancorado na liberdade e nos direitos civis.”

Liberdade e democracia devem estar “na primeira linha” das preocupações, diz Oliveira Martins

No final da sessão solene, Marcelo Rebelo de Sousa acompanhou Guilherme d'Oliveira Martins, coordenador das comemorações do bicentenário do constitucionalismo português, na inauguração da exposição presente nos Passos Perdidos da Assembleia da República.

O ex-ministro e actual administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian recordou o momento transformador “em que os súbditos passaram a ser cidadãos”. “Isso é irreversível. Não houve retrocesso relativamente ao reconhecimento dos cidadãos”, notou o coordenador das comemorações, elogiando os pilares lançados com o primeiro texto constitucional. Guilherme d'Oliveira Martins concluiu sublinhando que a celebração do bicentenário deverá sensibilizar “os mais jovens” para importância de colocar “a causa da democracia e a causa cidadania moderna” na “primeira linha das preocupações”.

Guilherme d'Oliveira Martins explicou que a exposição tem uma “preocupação essencialmente pedagógica”, e visa fazer com que “as crianças, os jovens, os cidadãos em geral” percebam que a sociedade actual “depende de um percurso”, que arrancou com o constitucionalismo antigo. O antigo governante destacou ainda "a abolição da Inquisição, a extinção das coutadas e dos direitos banais, o fim dos privilégios do foro pessoal e juízos privativos, e as primeiras propostas tendentes à elaboração do Código Civil”.

A exposição estará aberta ao público até final do ano e é gratuita. As visitas guiadas serão nos dias úteis, entre as 10h e as 12h e entre as 14h e as 17h, com início a cada hora.

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