A sociedade da avaliação contínua [todos os esclarecimentos sobre um caso de plágio]
Nas sociedades dominadas pela ideologia hiper-individualista, por um lado, temos aqueles que são enaltecidos como clientes, e muitos outros que são culpabilizados pelo aparente insucesso na corrida implacável pela competitividade.
Nota da Direcção Editorial
Esta crónica acusa um problema grave: o da repetição integral de partes de um artigo de Sergio C. Fanjul publicado no El País de 27 de Julho (La sociedad conspira para minar nuestra autoestima), como de resto já foi assumido pelo autor na sua crónica de 25 de Setembro. O PÚBLICO promoveu o indispensável debate interno sobre esta falha e extraiu daí as devidas conclusões, que foram já objecto de análise pelo Provedor do Leitor do jornal (“Plágio”, 01.10.2022) Ainda assim, decidiu não despublicar esta crónica por acreditar que essa seria uma forma de não assumir com transparência as suas falhas. A Direcção Editorial do PÚBLICO reitera o pedido de desculpa ao autor do texto e aos leitores (mais informação em baixo).
Na escola é um método de avaliação em que o que conta é o desempenho integral dos alunos e não apenas os exames. Mas a avaliação contínua há muito que saltou dos bancos estudantis. Hoje parece que nada escapa ao cálculo, à medição ou quantificação. Pessoas, actividades ou instituições vivem obcecadas com pontuações, indicadores e rankings.
Uma cara verde sorridente. Uma cara amarela que nem sim nem não. Uma cara vermelha furiosa. Em lojas, hotéis, restaurantes ou instituições surgem ecrãs que nos permitem clicar num destes ícones para expressar o nosso grau de satisfação com os empregados. O mesmo sucede, depois de uma chamada para um operador telefónico, uma visita do canalizador ou uma viagem de Uber, classificando-se o serviço de 0 a 5 estrelas, tal como se qualifica bares, hospedagens ou pessoas em aplicações de encontros.
Nas redes sociais, milhares de olhos escrutinam os nossos comentários. No Twitter grita-se. No TikTok dança-se. No Facebook hostiliza-se. E no Instagram provoca-se inveja. Enquanto isso, na TV os júris de programas incitam os concorrentes a melhorar a marca pessoal e a vender melhor o seu produto. Já os jornais enchem-se de artigos sobre a melhor forma de sairmos da zona de conforto, de pensarmos fora da caixa, de superar os limites. Há muitos elementos no nosso quotidiano que parecem conspirar para nos fazer sentir sempre avaliados, julgados, vigiados e comparados.
Nas relações de mercado a competição e a ambição são muito valorizadas. Mas essa lógica concorrencial não se limita aos negócios ou transacções comerciais. Tornou-se uma característica da vida quotidiana. Vivemos num estado permanente de rivalidade, não apenas em termos de riqueza, estatuto e poder. A roupa, a aparência, os clubes desportivos a que pertencemos, os consumos culturais que fazemos, o trabalho, a habitação, a família, o número de seguidores nas redes sociais ou a percentagem de gordura corporal que muitas vezes está acima do que é recomentado no artigo da revista, também servem para os mais diversos cálculos. Nesta era hiperconectada proliferam formas de medir o nosso desempenho. A classificação constante dos outros determina o estatuto de uma pessoa em tempo real.
Dessa maneira é produzida uma nova normalidade social que se caracteriza pela indiferença para com aqueles que não são considerados úteis. Nas sociedades dominadas pela ideologia hiper-individualista, por um lado, temos aqueles que são enaltecidos como clientes, e muitos outros que são culpabilizados pelo aparente insucesso na corrida implacável pela competitividade. Quanto mais somos influenciados por esta ideologia, mais nos enredamos num ciclo destrutivo, que gera angústia, mina a auto-estima e produz ressentimento.
Os números são relevantes para decifrar a realidade. O problema é o sentido acrítico com que lidamos com eles. Às vezes mais parecem mitos que se explicam por si próprios. O filósofo espanhol Daniel Inneraty dizia que, quando não entendemos uma sociedade, passamos o tempo a medi-la e a quantificá-la. O drama é quando fazemos cálculos a partir de erros de base. Na vida colectiva passamos o tempo a guiar-nos pela ideia de crescimento — sem articular quantidade com qualidade, equidade, sustentabilidade, boa governança, protecção ambiental ou bem comum. E individualmente é a desigualdade gerada pelo sistema económico que atinge muitos no amor-próprio e no medo de serem julgados insignificantes, nesta sociedade da avaliação contínua.
Plágio no PÚBLICO – Um esclarecimento adicional
Para esclarecimento cabal dos leitores do PÚBLICO e cumprindo com o dever de transparência que lhes é devido, republicamos em baixo esta crónica do jornalista Vítor Belanciano assinalando nela as passagens que resultam de apropriações indevidas e abusivas do texto “La sociedad conspira para minar nuestra autoestima” (“A sociedade conspira para minar a nossa autoestima”), de Sergio C. Fanjul, publicado originalmente no diário espanhol El País a 27 de Julho de 2022. O texto do PÚBLICO incorre em vários vícios, como transcrições integrais de parágrafos sem que a fonte original seja atribuída ou o uso de citações de outros autores a que Fanjul recorre no seu texto e que também são usadas sem referência ao texto original. Dessa destrinça damos igualmente conta no texto que aqui se republica:
Laranja - Cópia integral do texto original de Sérgio C. Fanjul
Amarelo - Frases de Fanjul apropriadas quase na totalidade
Azul - Citações de Kathleen Lynch (entre aspas no texto original)
Verde - Citações de José Carlos Sánchez (entre aspas no texto original)
A sociedade da avaliação contínua
Nas sociedades dominadas pela ideologia hiper-individualista, por um lado, temos aqueles que são enaltecidos como clientes, e muitos outros que são culpabilizados pelo aparente insucesso na corrida implacável pela competitividade.
Vítor Belanciano
Na escola é um método de avaliação em que o que conta é o desempenho integral dos alunos e não apenas os exames. Mas a avaliação contínua há muito que saltou dos bancos estudantis. Hoje parece que nada escapa ao cálculo, à medição ou quantificação. Pessoas, actividades ou instituições vivem obcecadas com pontuações, indicadores e rankings.
Uma cara verde sorridente. Uma cara amarela que nem sim nem não. Uma cara vermelha furiosa. Em lojas, hotéis, restaurantes ou instituições surgem ecrãs que nos permitem clicar num destes ícones para expressar o nosso grau de satisfação com os empregados. O mesmo sucede, depois de uma chamada para um operador telefónico, uma visita do canalizador ou uma viagem de Uber, classificando-se o serviço de 0 a 5 estrelas, tal como se qualifica bares, hospedagens ou pessoas em aplicações de encontros.
Nas redes sociais, milhares de olhos escrutinam os nossos comentários. No Twitter grita-se. No TikTok dança-se. No Facebook hostiliza-se. E no Instagram provoca-se inveja. Enquanto isso, na TV os júris de programas incitam os concorrentes a melhorar a marca pessoal e a vender melhor o seu produto. Já os jornais enchem-se de artigos sobre a melhor forma de sairmos da zona de conforto, de pensarmos fora da caixa, de superar os limites. Há muitos elementos no nosso quotidiano que parecem conspirar para nos fazer sentir sempre avaliados, julgados, vigiados e comparados.
Nas relações de mercado a competição e a ambição são muito valorizadas. Mas essa lógica concorrencial não se limita aos negócios ou transacções comerciais. Tornou-se uma característica da vida quotidiana. Vivemos num estado permanente de rivalidade, não apenas em termos de riqueza, estatuto e poder. A roupa, a aparência, os clubes desportivos a que pertencemos, os consumos culturais que fazemos, o trabalho, a habitação, a família, o número de seguidores nas redes sociais ou a percentagem de gordura corporal que muitas vezes está acima do que é recomendado no artigo da revista, também servem para os mais diversos cálculos. Nesta era hiperconectada proliferam formas de medir o nosso desempenho. A classificação constante dos outros determina o estatuto de uma pessoa em tempo real.
Dessa maneira é produzida uma nova normalidade social que se caracteriza pela indiferença para com aqueles que não são considerados úteis. Nas sociedades dominadas pela ideologia hiper-individualista, por um lado, temos aqueles que são enaltecidos como clientes, e muitos outros que são culpabilizados pelo aparente insucesso na corrida implacável pela competitividade. Quanto mais somos influenciados por esta ideologia, mais nos enredamos num ciclo destrutivo, que gera angústia, mina a auto-estima e produz ressentimento.
Os números são relevantes para decifrar a realidade. O problema é o sentido acrítico com que lidamos com eles. Às vezes mais parecem mitos que se explicam por si próprios. O filósofo espanhol Daniel Inneraty dizia que, quando não entendemos uma sociedade, passamos o tempo a medi-la e a quantificá-la. O drama é quando fazemos cálculos a partir de erros de base. Na vida colectiva passamos o tempo a guiar-nos pela ideia de crescimento — sem articular quantidade com qualidade, equidade, sustentabilidade, boa governança, protecção ambiental ou bem comum. E individualmente é a desigualdade gerada pelo sistema económico que atinge muitos no amor-próprio e no medo de serem julgados insignificantes, nesta sociedade da avaliação contínua.
Plágio no PÚBLICO – Respostas ao Provedor do Leitor
Publicamos também na íntegra as respostas da Direcção Editorial do PÚBLICO e do jornalista Vítor Belanciano a questões colocadas sobre este caso pelo Provedor do Leitor do jornal, na sequência da queixa de uma leitora recebida a 18 de Setembro. Estas respostas foram enviadas ao provedor José Manuel Barata-Feyo a 29 de Setembro e incluídas na sua coluna de 1 de Outubro, “Plágio”.
Resposta da Direcção Editorial ao Provedor do Leitor do PÚBLICO
A Direcção Editorial do PÚBLICO foi alertada pela leitora para a existência de uma situação de plágio no artigo de opinião referido. Infelizmente, confirmou-o. E procurou as explicações do jornalista. Que assumiu o erro de forma clara e inequívoca, expondo com franqueza e transparência a negligência da sua conduta e reconhecendo os danos que essa atitude causou ao jornal e à sua imagem profissional.
Perante esta confirmação e este reconhecimento, a Direcção do PÚBLICO não teve dúvidas em assumir as suas próprias responsabilidades perante os seus leitores. Num primeiro momento, achou por bem que o jornalista se justificasse perante os seus leitores, o que foi feito na coluna do último domingo com o seu total acordo. Já esta semana (tarde de mais, admitimos), decidiu publicar uma nota nesse artigo dando conta do plágio. Decidiu também que a despublicação do artigo onde o plágio foi consumado não fazia sentido, não apenas porque essa seria uma forma de ocultar a raiz do problema, como impediria os leitores de o conhecer em toda a sua extensão.
Faltava, ainda assim, uma tomada de posição pública sobre o sucedido. Uma vez que a carta da leitora que expôs a situação foi igualmente enviada ao Provedor, decidimos que as nossas respostas deveriam ser divulgadas através do Provedor. Acreditámos que essa resposta poderia ser dada no prazo de uma semana, mas no âmbito da sua autonomia, que respeitamos por completo, o Provedor decidiu de outra forma. Dada a sensibilidade e a urgência desta questão, o director do jornal fez um pedido, pela primeira vez em dois anos de mandado, ao Provedor para que considerasse reflectir sobre a carta da leitora e estivesse aberto às nossas explicações.
Um plágio é um dos mais graves actos contra a deontologia profissional dos jornalistas. É, por isso, um sério atentado à credibilidade de um jornal. Assumimos que o que aconteceu não pode acontecer nas páginas do PÚBLICO. Mas, isto dito, as explicações que o jornalista nos deu são suficientes para acreditar que o seu erro resulta mais da negligência do que do dolo. Mesmo sendo difícil de conceber como foi possível que um jornalista prestigiado e com uma longa carreira tenha cometido este erro, a verdade é que os jornalistas, mesmo os melhores, falham. Resta-lhes assumir o erro, como foi feito. E pedir desculpas aos leitores e ao autor plagiado, o que foi também feito.
Este incidente não deixará entretanto de nos forçar a uma reflexão interna sobre como prevenir a sua repetição. O PÚBLICO tem órgãos internos de representação da sua redacção com suficiente força e autonomia para que dessa reflexão saia uma ambição: encontrar formas de evitar que os plágios, que não aconteciam no PÚBLICO há muitos anos, voltem a acontecer no nosso jornal.
Resposta de Vítor Belanciano ao Provedor do Leitor do PÚBLICO
Caro Provedor José Manuel Barata-Feyo,
A nossa leitora encaminhou de facto um email, que me foi endereçado a mim e à Direcção Editorial. Reagi de forma célere, expondo logo ter efectivamente lido o artigo do El País, o qual deveria ter citado sem sombra de dúvida na minha crónica. Responsabilizei-me pela minha negligência, dispondo-me a assumi-la publicamente de imediato.
Existem algumas passagens idênticas entre esse texto e o meu, e, mais relevante, algumas das ideias aí patentes inspiraram a construção da minha crónica, mesmo que eu exponha outro tipo de argumentos e acabe por direccionar o texto para um rumo que é distinto.
Ao dizer isto, não pretendo mascarar o erro: deveria ter mencionado o referido artigo, como aliás acontece umas linhas abaixo ao citar uma ideia do filósofo espanhol Daniel Inneraty.
Em resumo: à leitora, à Direcção Editorial, ao meu colega do El País, a quem enderecei uma mensagem pessoal e a quem pedi desculpas públicas, e aos leitores do PÚBLICO dei conta do quanto lamento o sucedido. Também o fiz na crónica que se seguiu, em nota reproduzida online e no papel.
Coloquei ainda o meu lugar (enquanto cronista do caderno P2) à disposição da Direcção Editorial, se esta entender que existe uma quebra de confiança entre mim e os leitores.
Atenciosamente,
Vítor Belanciano
Texto actualizado às 23h30 de 07.10.2022, com a inclusão de uma nota de esclarecimento onde se identificam os excertos do texto que resultam de plágio e das respostas dos visados ao Provedor do Leitor do jornal. Ao título original foi acrescentada a frase “todos os esclarecimentos sobre um caso de plágio”.