O engano do carro eléctrico explicado à minha avó

O pior de tudo, além de induzir a destruição de inúmeras regiões do mundo (inclusive, potencialmente, a região com maior biodiversidade do nosso país, o Barroso) por causa do desenvolvimento desenfreado da mineração, é que estas políticas de greenwashing impedem a implementação de soluções verdadeiramente eficientes para resolver o problema das emissões de CO2 induzidas pelos transportes.

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Pedro Fazeres

O discurso oficial das entidades que nos governam relativamente ao carro eléctrico é cristalino: vamos “salvar” o clima e o planeta substituindo os carros a combustão por carros eléctricos. Esta afirmação é verdadeira ou falsa?

Antes de mais, para comparar os dois tipos de veículos, temos de integrar as emissões de dióxido de carbono (CO2, principal gás causador do efeito de estufa) produzidas durante o fabrico dos ditos carros, o que os fabricantes de automóveis esquecem de fazer quando afirmam que os carros eléctricos não produzem emissões de CO2.

Então, comparemos um carro a combustão de tipo Citroë​n C4 Cactus e um Polestar 2 100% eléctrico.

O primeiro vai induzir a emissão de 10 toneladas de CO2 durante o processo de fabrico quando o carro 100% eléctrico emite quase 21 toneladas, indica o Touring Club Suisse. A grande diferença deve-se principalmente às baterias. Assim, antes de começar a andar, um carro eléctrico já tem um passivo ambiental muito superior (aproximadamente o dobro) em termos de emissões de CO2, neste caso de 11 toneladas.

Adiantando a análise, o Polestar 2 está equipado com uma bateria de 75 kWh que lhe permite percorrer aproximadamente 350 quilómetros reais, segundo testes realizados pelo site Car and Driver, ou seja 0,2 kWh/km percorrido.

Num contexto muito favorável, onde a electricidade é produzida maioritariamente por energias renováveis como é o caso em Portugal, um kWh de electricidade produzido emite 270 g de CO2, refere a EDP. Portanto, e pondo de lado a questão das perdas de energia eléctrica (de maneira a simplificar a nossa demonstração), o Polestar vai emitir em Portugal 54 g de CO2/km percorrido. É importante realçar que em muitos países (nomeadamente China, Índia, Rússia, Austrália, Polónia…), a electricidade é produzida maioritariamente via fontes de energia fósseis e as emissões de CO2 são geralmente superiores a 600 g de CO2/kWh de electricidade produzida, emitindo assim mais de 120 g de CO2/km percorrido.

Primeira conclusão: um carro eléctrico nunca pode ter 0 emissões. Ele precisa de energia eléctrica para funcionar, o que induz a emissão de CO2 (mesmo com uma forte proporção de energias renováveis).

Segunda conclusão: num país onde a electricidade é produzida principalmente a partir de fontes de energia fósseis, um carro eléctrico nunca vai conseguir compensar seja o que for do ponto de vista das emissões de CO2, pelo contrário. O saldo é negativo.

Terceira conclusão: em países onde a electricidade é produzida maioritariamente por energias renováveis, mesmo assim, um carro tem que compensar o suplemento de CO2 produzido durante o seu fabrico. No caso português, e considerando que o Citroë​n Cactus emite uma média de 120 g de CO2/km percorrido, o Polestar deveria percorrer aproximadamente 166 mil quilómetros para compensar esse acréscimo em termos de emissões.

Considerando que o automobilista português percorre em média 9000 quilómetros por ano, segundo o Automóvel Clube de Portugal, o fabrico do carro eléctrico só é compensado em termos de CO2 após 18 anos de funcionamento. Durante esse período de tempo, é mais do que provável que já tenha que substituir as baterias, ou mesmo mudar de carro.

Conclusão: substituir de maneira antecipada um carro a combustão em bom estado por um carro eléctrico não é minimamente positivo do ponto de vista das emissões de CO2, a não ser que se trate de um veículo equipado com uma bateria de pequenas dimensões (automóvel de pequenas dimensões) e com uso intensivo (partilhado)! E já não abordamos aqui a questão fulcral dos outros impactos ambientais (a nível da biodiversidade, da poluição da água, do ar…) dos carros eléctricos devido à produção de baterias, ligados nomeadamente ao aumento brutal da mineração para fornecer as matérias-primas necessárias.

O pior de tudo, além de induzir a destruição de inúmeras regiões do mundo (inclusive, potencialmente, a região com maior biodiversidade do nosso país, o Barroso) por causa do desenvolvimento desenfreado da mineração, é que estas políticas de greenwashing impedem a implementação de soluções verdadeiramente eficientes para resolver o problema das emissões de CO2 induzidas pelos transportes.

As soluções consistem basicamente em limitar antes de mais as deslocações o quanto possível. Isso implica repensar o ordenamento do território de maneira a relocalizar, por exemplo, os comércios, para não termos que usar o carro cada vez que queremos comprar um pão, incentivar o teletrabalho... Fazer com que o automóvel deixe de ser o meio de transporte privilegiado e utilizar meios de transportes mais amigos do ambiente: andar a pé, bicicletas inclusive eléctricas. Desenvolver e tornar acessíveis os transportes públicos (gratuitidade?). Incentivar a partilha de veículos: os carros individuais estão parados 95% do tempo.

E, finalmente, como último recurso, desenvolver sim carros mais eficientes do ponto de vista ambiental no global e não só do ponto de vista das emissões de CO2. Isso inclui a conversão dos carros a combustão actuais para eléctricos, a limitação da velocidade máxima dos veículos de maneira a poder diminuir o peso e a consequente utilização de matérias-primas.

São apenas algumas sugestões, mas é sem dúvida este o caminho a seguir. A simples substituição dos carros a combustão por carros eléctricos, sem mudar a nossa maneira de pensar a mobilidade, é que não nos vai levar a lado nenhum, senão a mais catástrofes sociais e ambientais. É portanto para aí que caminhamos a passos largos.

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