Lisboa a pedais – quo vadis?

Precisamos de mais iniciativas estruturadas para promover a descoberta individual que a cidade das sete colinas pode ser pedalada. Vale a pena lembrar o que a física nos ensina: é preciso pedalar para que a bicicleta se mantenha em movimento.

Tudo (re)começou na década passada, apesar dos costumes e tradições antigos nos apresentarem a bicicleta como facilitadora das rotinas diárias, nas histórias e memórias que nos foram deixadas pelos mais antigos da cidade. Foram tempos em que os salários se pagavam em tostões, onde se viveu o racionamento alimentar e, apesar de não ter memória vivida, sei que o carro ainda não era membro de pleno direito em todos os agregados familiares.

Mas em 2009 Lisboa decidiu despertar as primeiras tentativas de revisão do espaço público, colocando alguns parcos metros de superfície ao serviço dos velocípedes e seus utilizadores. Se por um lado a opção procurava compreender quais as formas possíveis de colocar estes veículos no trânsito, por outro seguiu a opção de experiência para compreensão – sem grandes estudos ou preocupações com o tráfego, condições e dados. Desde então acredito que são pelo menos três as principais ações que hoje nos levam a discutir um novo paradigma de mobilidade:

1 – Vias Cicláveis: Lançaram-se alguns tímidos metros de material betuminoso, sem ordenamento, mais para ver se pegava. Algumas até foram instaladas nos passeios, timidamente como quem diz – entenda-se com os peões e sem qualquer rigor ou sistematização foram aparecendo faixas cicláveis a que se chamaram pop-up.

Ainda hoje falta concretizar um planeamento urbano rigoroso e em rede pela malha urbana da cidade, seguindo regras técnicas de execução e optando pela fiscalização das obras executadas. Se a opção for de facto criar-se vias segregadas para peões, velocípedes e automóveis então é urgente percebermos de que forma o plano rodoviário, as acessibilidades e a intermodalidade serão impactados. Caso contrário continuaremos a injetar peças avulso nas freguesias da cidade e sempre com um espírito de bondade diremos a cada obra – será que foi desta que acertei?

2 – Serviço de bicicletas partilhadas do município: As Gira revolucionaram Lisboa, onde quase não se viam bicicletas. Foi um arranque tímido onde inclusive faltou material circulante, mas todo o sistema foi revisto numa lógica de melhoria contínua e hoje está em expansão.

Ainda falta integrar esta ferramenta potente no sistema de transportes públicos de forma clara e inequívoca. Esta integração esteve prevista para o início de 2022, mas para já apenas alguns concorrentes privados já são compatíveis com o passe social. Começou a operar em 2010 como B’ina – Park & Bike, mas 2017 é que marca o início da sua aventura a pedais na cidade. É pena que muitos utilizadores usem de forma expressiva os passeios em vez do alcatrão (é urgente percebermos o porquê e como resolver este conflito entre peões e ciclistas) e apesar de pensado inicialmente para pessoas a partir dos 18 anos, muito recentemente são destinados a maiores de 16 anos e há muito utilizador bem conservado a aparentar ter começado mais cedo.

3 – Comparticipação da aquisição e manutenção de bicicletas aos cidadãos: Em 2020 e 2021 Lisboa decidiu financiar o incremento e manutenção do parque de bicicletas, apoiando quem viva ou trabalhe na cidade. O Programa de Apoio à Aquisição de Bicicletas (PAAB), complementou o Fundo Ambiental e, de acordo com alguns relatos, ofereceu integralmente bicicletas. Começou pela aquisição dos veículos, estendeu-se à manutenção e compra de acessórios até ser suspenso sem previsão de regresso.

Agora é preciso constatarmos que foram vários os milhares de euros gastos injetando na cidade novos veículos, grande parte durante a pandemia. Foi um tempo em que o trânsito caótico da cidade ficou mais fluído, as emissões de poluentes reduziram significativamente e todo o mundo do trabalho mudou e chamou o teletrabalho para garantir a laboração das empresas.

Vale a pena olhar novamente para o Compromisso Verde Lisboa – Empresas e Organizações, cujo horizonte temporal é 2030, será que ao procurarmos um novo normal estamos a cumprir as promessas de um futuro melhor?

Com o pensamento no início de um novo ano letivo gostaria de tentar resumir estes três eixos em apenas um pensamento: Precisamos de mais iniciativas estruturadas para promover a descoberta individual que a cidade das sete colinas pode ser pedalada, que a última milha das entregas e logística pode ser descarbonizada, amiga do ambiente e com isso melhorar a saúde de cada um de nós e acima de tudo investir nas futuras gerações da cidade, na sua cultura e ações do dia-a-dia.

Vale a pena lembrar o que a física nos ensina: é preciso pedalar para que a bicicleta se mantenha em movimento.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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