Governo grego enfrenta escândalo com escuta a político da oposição

O chefe dos serviços de informação interna da Grécia demitiu-se e o secretário-geral (e sobrinho) do primeiro-ministro Mitsotakis também. É a maior crise no Executivo de Mitsotakis.

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Panagiotis Kontoleon, o chefe dos serviços de informação interna da Grécia, demitiu-se na sequência de um escândalo de espionagem ALEXANDER BELTES/EPA

Depois de se tornar público que os serviços de informação interna da Grécia espiaram o actual líder do PASOK (partido socialista, na oposição), Nikos Androulakis, e um jornalista, o primeiro-ministro, Kyriakos Mitsotakis, pediu desculpa e garantiu que não tinha conhecimento das actividades de espionagem.

Na semana passada, depois das alegações terem sido tornadas públicas, o chefe do Serviço de Informação Nacional (a secreta interna), Panagiotis Kontoleon, demitiu-se, e também se afastou o secretário geral do primeiro-ministro, Grigoris Dimitriadis, que é ainda sobrinho de Mitsotakis.

No caso de Kontoleon, um comunicado do gabinete do primeiro-ministro disse que o afastamento “se seguiu a acções erradas durante um processo legal de escuta”. Não foi dada qualquer informação sobre o motivo da demissão de Dimitriadis.

Embora tenha havido já alguns casos polémicos e demissões, este é o maior escândalo durante os três anos do Governo de Mitstotakis, do partido conservador Nova Democracia.

Numa entrevista publicada este domingo pelo jornal To Vima, Mitsotakis garante que não sabia de nada. “Não tinha conhecimento, nunca o teria permitido. Devo uma desculpa ao Sr. Androulakis pelo erro cometido”, declarou. “Foi um erro grave e imperdoável”.

O Governo disse que a escuta a Androulakis tinha aprovação de um procurador, e que este fora informado, mas “escolheu não responder”. O gabinete do primeiro-ministro não tinha sido informado, garante.

Pelo seu lado, Androulakis disse ter sabido que era alvo de escutas no final de 2021, não dizendo como obteve a informação. O político foi eleito líder do PASOK em Dezembro de 2021.

Há ainda suspeitas de que um jornalista tenha sido vigiado: dois deputados que ouviram Kontoleon numa comissão parlamentar disseram que ele admitiu que a secreta interna espiou um jornalista especializado na área financeira que trabalha para a CNN grega, Thanasis Koukakis.

O responsável foi ouvido pela comissão parlamentar depois de Androulakis ter feito uma queixa formal ao Supremo por uma tentativa de instalação de software de escuta no seu telemóvel em Setembro de 2021.

No caso do jornalista, suspeita-se que tenha sido alvo de escutas através de um software chamado Predator, “a pedido de um país terceiro por razões de segurança nacional”, durante vários meses em 2021. O diário Efimerida Ton Syndakton publicou uma investigação sobre transacções financeiras entre um empresário da empresa que vende o Predator na Grécia e o secretário-geral do primeiro-ministro durante o período em que se registaram tentativas de hacking no telemóvel do político do PASOK.

O próprio jornalista descreveu, numa entrevista à rádio Sto Kokkino (de esquerda), as relações próximas de pessoas da empresa que comercializa o Predator, da Macedónia do Norte, na Grécia, com o círculo do primeiro-ministro.

O caso está a ter repercussões fora da Grécia: a eurodeputada Sophie in ‘l Veld, do partido liberal holandês D66, que faz parte da comissão do Parlamento Europeu que investiga o uso do software Pegasus, disse ao site grego Insidestory que “a Europol e a Procuradoria Europeia vão ter de lidar com o Predator na Grécia”. Com o Pegasus e o Predator, há “utilização ilegítima de software de escuta em pelo menos quatro Estados-membros da UE e na Comissão Europeia”, o que é “uma versão europeia do Watergate”, o escândalo de espionagem que levou à demissão do Presidente, Richard Nixon, depois de se saber que tinha conhecimento de uma operação de espionagem ao partido democrata antes das eleições e que a tinha tentado encobrir. Os outros países europeus em que houve utilização de software de espionagem foram a Hungria, Polónia e Espanha.

Nikos Kotzias, do Syriza, o maior partido da oposição, deixou uma série de perguntas numa publicação no Twitter: “As autoridades competentes têm de revelar quantas e quais gravações de Androulakis. A quem foram dadas? Como foram usadas? Que outros políticos estão a ser vigiados?”.

O líder do Syriza, Alexis Tsipras, disse que “o primeiro-ministro Mitsotakis deve explicações sobre o seu Watergate” e descreveu a demissão de Dimitriadis como “uma admissão de culpa”. O gabinete de Mitsotakis disse que o primeiro-ministro iria pronunciar-se sobre o caso esta segunda-feira. No Twitter, alguns gregos lembravam que a data é a mesma em que, em 1974, nos EUA, Nixon anunciou a demissão na sequência do Watergate, meses depois da publicação da investigação do diário The Washington Post, que o revelou.

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