Mitsotakis promete tornar a Grécia “orgulhosa” de novo

Representante de uma das mais importantes dinastias políticas gregas, o novo primeiro-ministro personifica a velha guarda. Syriza é o principal partido da oposição e agrupa a maioria dos votos do centro-esquerda.

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A passagem de testemunho entre Tsipras e Mitsotakis YANNIS KOLESIDIS/EPA

O primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, do partido de centro-direita Nova Democracia, tomou posse esta segunda-feira com a promessa de deixar a Grécia “orgulhosa” de novo.

“Fechou-se um ciclo penoso”, disse Mitsotakis, prometendo um regresso a “empregos, segurança e crescimento”. Com o seu Governo, a Grécia “poderá erguer a cabeça com orgulho” de novo, prometeu. Disse que vai começar um período de trabalho duro e cancelou as férias dos deputados.

Mas estas são promessas difíceis de cumprir já que a Grécia, que tem registado um pequeno crescimento e uma pequena melhoria de indicadores como a taxa de desemprego, está ainda longe dos níveis pré-crise. 

O antigo ocupante da Maximos Mansion, Alexis Tsipras, recebeu Kyriakos Mitsotakis e apertou-lhe a mão, antes de sair. Um gesto relevante porque não aconteceu na tomada de posse de Tsipras: o seu antecessor, Antonis Samaras, também da Nova Democracia, não só não o recebeu como o seu staff levou canetas, blocos, sabonetes e até o código do WiFi da residência oficial.

Este gesto de Samaras, em 2015, simbolizou a enorme polarização política e antagonismo na Grécia. Agora, apesar do respeito institucional de Tsipras para com o seu sucessor, há quem questione sobre como os dois principais partidos poderão lidar um com o outro.

Porque uma das conclusões destas eleições foi um novo sistema bipartidário na Grécia, com um partido à direita (Nova Democracia, com 39,8%) e um à esquerda (Syriza, com 31,5%). Os pequenos mais radicais diminuíram a sua votação (com excepção do novo partido do antigo ministro das Finanças Yanis Varoufakis, que teve 3,5%).

Outro resultado da votação foi o regresso de uma família política à Grécia: Kyriakos Mitsotakis é filho de um antigo primeiro-ministro, irmão de uma antiga presidente da câmara de Atenas e antiga ministra dos Negócios Estrangeiros, Dora Bakoyannis, tio do próximo presidente da câmara da capital que tomará posse em breve, Kostas Bakoyannis, de uma dinastia política antiga de Creta, tão antiga que remonta a Elefterios Venizelos, o pai da Grécia moderna, no poder no início do século XX.

Apesar da ligação familiar, Mitsotakis não teve tapete vermelho estendido na política nacional, a que chegou relativamente tarde, depois de ter sido analista em bancos e consultor na McKinsey. Foi ministro da Reforma Administrativa no Governo de Antonis Samaras (2013-15), despedindo muitos funcionários públicos. Mas não era o líder óbvio para a Nova Democracia, e para vencer teve de levar a cabo uma campanha em cidades e vilas, cortejando os cidadãos comuns, e teve ainda dar poder a algumas figuras mais da direita nacionalista.

Nova Grécia ou velha guarda?

Mitsotakis prometeu uma nova Grécia, mas quão credível é esta promessa vinda de alguém de uma dinastia política que simboliza os pecados da política grega e que para isso teria de ir contra a sua família, a verdadeira e a política?

“Não há aqui nada de novo”, declara o professor de ciência política (de esquerda) Michalis Spourdalakis, numa conversa telefónica com o PÚBLICO. “Vamos ver o restabelecimento de velhos hábitos e modo de funcionar do Governo”, disse. “Vamos voltar para trás.”

No Twitter, o jornalista do site de análise política e económica Macropolis comentava que “a última vez que a Nova Democracia teve uma maioria absoluta, deixou a Grécia na bancarrota e provocou o maior colapso económico da História moderna”. Mas acrescentou: “Tenho a certeza que vão ser mais cuidadosos desta vez.”

A escala da vitória deverá deixar Mitsotakis sem grande oposição no partido de momento, mas há preocupações com o poder que poderão ter figuras mais ligadas à extrema-direita no novo governo. O vice-presidente, Adonis Georgiadis, é desta ala: antes, pertencia ao partido LAOS, conhecido pelo seu anti-semitismo.

No El País, o professor de ciência política Evangelos Liaras sublinhava que para vencer as eleições, Mitsotakis teve de “cortejar o voto da extrema-direita em vários temas”, e foi também assim que “quase eliminou partidos como a Aurora Dourada”, e já agora, os Gregos Independentes, que foram até ao acordo sobre a Macedónia do Norte parceiros de coligação de Tsipras.

“Chegará [Mitsotakis] a impor novos rostos e a livrar-se da velha guarda do partido?”, pergunta o analista político Georges Seferzis no diário francês Libération. “Ou irá afundar-se nas derivas do passado?”  

A sua vitória foi expressiva o suficiente para lhe dar tempo para o fazer sem grande oposição, considera Spourdalakis. “A fricção interna fica adiada”, diz. “A família é muito liberal, mais centro do que de direita”, nota o professor de ciência política.

Spourdalakis aponta a Mitsotakis um discurso “anti-Estado”, com ideias como a gestão privada de hospitais públicos – que estão num estado muito depauperado por anos de cortes. Mas para o analista o que é relevante é perceber como é que o primeiro-ministro vai concretizar a sua proposta de baixar impostos sem cortar ainda mais no orçamento dos serviços públicos.

Mas no novo Governo, aponta Nick Malkoutzis, do Macropolis, 21 dos 51 membros não são da arena política: “É uma certa diferença” em relação aos anteriores, diz. Há independentes, alguns de centro-esquerda, tecnocratas, alguns do mundo empresarial, diz o jornal The Guardian.

Tsipras e a “derrota estratégica"

Quanto ao maior partido da oposição, o Syriza de Tsipras conseguiu manter-se e apresentar-se como o partido do centro-esquerda em comparação com o KINAL (Movimento para a Mudança), o novo partido que saiu das cinzas do derrotado PASOK, que obteve 8,1%.

Tsipras apresentou o resultado da eleição como “nada mais do que uma derrota estratégica”, tendo recuperado parte dos votos que perdera nas europeias. Não foi uma queda assim tão grande para um partido que acabou por aplicar medidas de austeridade que inicialmente recusou, e não cumpriu a promessa de um novo estilo de fazer política (embora sem gravata e sem parte dos luxos pagos pelo Estado, Tsipras tentou controlar os media e manteve ligações questionáveis com empresários) nem de lutar contra favorecimentos e corrupção.

“Posso assegurar que dos bancos da oposição vamos proteger os interesses das pessoas de trabalho e de criatividade”, disse após a derrota.

Yannis Palaiologos, jornalista do Macropolis, questiona-se no Twitter se, na oposição, Tsipras “irá apoiar as políticas que ele próprio implementou como primeiro-ministro e forjar o consenso necessário ou se irá voltar ao radicalismo pré-2015?”

Para Spourdalakis, a questão é como irá o resultado eleitoral afectar o partido. Tsipras quer abri-lo, mas muitos membros do Syriza estão cépticos. “Vêem-se como sendo de esquerda radical e não querem ser o novo PASOK.”

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