Vingegaard e Pogacar terão de fazer o que Pereiro fez em 2006

É preciso recuar até 2006 para ver um vencedor do Tour com tão pouco apoio como Pogacar e Vingegaard têm neste momento. E a superar essa marca só mesmo Greg LeMond em 1989.

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Óscar Pereiro no pódio do Tour 2006 Reuters/ERIC GAILLARD

Jonas Vingegaard e Tadej Pogacar são quase unanimemente apontados como os dois possíveis vencedores da Volta a França 2022 – assim a luta seja na estrada e nenhum tenha imprevistos.

Seja o dinamarquês a estrear-se a vencer ou o esloveno a fazer “hat-trick”, é certo que ganhará com um mérito muito especial que nos últimos anos só teve paralelo em Óscar Pereiro.

Em 2006, o espanhol – cujo triunfo até foi depois “na secretaria”, com a sanção a Floyd Landis – acabou a corrida com apenas cinco colegas de equipa.

Na altura, Alejandro Valverde, Florent Brard e Isaac Gálvez foram para casa mais cedo e dos nove ciclistas da Caisse d’Epargne apenas acabaram Pereiro, David Arroyo, García Acosta, Vladimir Karpets, Nicolas Portal e Xabier Zandio. Portanto o líder e mais cinco escudeiros.

Com os problemas na Emirates (covid-19) e na Jumbo (quedas), Pogacar e Vingegaard têm neste momento cinco colegas cada um – tiveram apenas dois abandonos cada, mas as equipas actualmente só levam oito corredores.

A história mostra que, regra geral, os vencedores do Tour não enfrentam muitas baixas – o que faz, naturalmente, todo o sentido. É curioso que na última década os vencedores raramente chegaram ao fim da prova com as equipas completas, mas também nunca têm muitos colegas a menos.

Pogacar, apesar de ter uma equipa pouco capaz em 2021, levou-a até Paris por inteiro, o mesmo que já tinham feito Froome em 2016 e Nibali em 2014. De resto, houve sempre uma baixa, com excepção de Pogacar 2020 e Froome 2013, que chegaram a Paris com dois homens a menos.

Para encontrar um verdadeiro “herói” foi preciso chegarmos a… 1989. Nesse ano já bem longínquo – no qual Acácio da Silva andou quatro dias de amarelo –, Greg LeMond superou Laurent Fignon no contra-relógio da última etapa, acabando com oito segundos de vantagem.

E fê-lo chegando a Paris com apenas três dos oito colegas que levou. Não é crível que Pogacar ou Vingegaard batam este registo, mas não estão assim tão longe quanto isso.

Mais peso na Jumbo?

Como antevisão do que aí vem, será justo dizer que a Jumbo e a Emirates, apesar de com igual número de baixas, devem vê-las de forma diferente.

As equipas vão atacar a partir desta terça-feira a terceira e última semana do Tour, com três etapas nos Pirenéus, sendo que no caso da Emirates as baixas até nem são um cenário especialmente negro porque: 1) Pogacar já mostrou que consegue vencer “sozinho”; 2) os nomes “riscados” na Emirates não são os mais proeminentes (Laengen era secundário e Bennett estava em má forma).

Mais complicado é o panorama na Jumbo, já que no domingo Vingegaard ficou, em cerca de três horas, sem Primoz Roglic (abandonou antes da etapa) e Steven Kruijswijk (caiu durante a tirada e lesionou-se).

Apesar de haver Sepp Kuss e até mesmo Wout van Aert, a equipa neerlandesa está claramente mais frágil e já não é garantido que os blocos em redor dos líderes sejam assim tão distintos – para os “amarelos” Kuss e Van Aert há os “brancos” Majka, McNulty e Soler.

A última etapa trouxe até à Jumbo duas quedas em poucos quilómetros – primeiro a de Kruijswijk, antes de uma a envolver o próprio Vingegaard, que acabou por ficar apenas com a camisola rasgada e o amarelo de líder sujo no ombro – mas em segundos, numa etapa inócua, poderia ter-se perdido uma Volta a França.

Há quem fale de puro azar e quem aponte algum desnorte e nervosismo numa equipa que não só tem um líder em estreia nessas lides como começou a ver o seu “castelo” – até então de estrutura maciça – ruir de um momento para o outro.

O que ainda falta correr?

Como será a defesa da Jumbo? Em tese, será em modo de marcação homem a homem a Pogacar. A equipa até poderá colocar Laporte, Van Hooydonk e Benoot a endurecerem o ritmo da corrida, mas não será esse ritmo a esfriar os intentos sempre ofensivos de Pogacar.

Este cenário pode chegar já nesta terça-feira, numa etapa de média-montanha que noutro momento da corrida poderia ser irrelevante na luta pelo triunfo no Tour, mas que estando na última semana – e com Pogacar a 2m22s da amarela – será provavelmente palco de ataques.

O esloveno terá de inventar uma estratégia louca e fora do comum (eventualmente um ataque à distância já nesta terça-feira) e a única boa notícia para Vingegaard é que ainda tem Wout van Aert, que provavelmente poderá “rebocá-lo” na resposta a tudo o que a Emirates fizer.

Para quarta e quinta-feira haverá, então, os verdadeiros duelos montanhosos, com duas etapas com chegada em alto nos Pirenéus.

Aí teremos três cenários: 1) Vingegaard ganhou mais tempo e “matou” a corrida; 2) Pogacar não recuperou nada e dificilmente vai buscar 2m22s no contra-relógio; 3) Pogacar recuperou parte da desvantagem e haverá um dos “cronos” mais emocionantes da história do Tour.

Antes e depois desse contra-relógio haverá duas etapas planas, esta última já apenas para consagração do campeão.

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