A gestão dos hospitais

O modelo introduzido em 2002 foi e é responsável pela destruição das carreiras médicas, dos contratos individuais de trabalho e da gestão democrática, acabando com a eleição dos diretores clínicos.

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Nelson Garrido

Hoje, ao ouvirmos e lermos os opinion makers, incluindo administradores ou insignes economistas da saúde, parece existir um consenso sobre o facto da situação de “caos” no Serviço Nacional de Saúde estar na má gestão.

Na realidade, a contratação de vários gestores para os hospitais teve como objetivo diminuir os custos e as despesas, o que paradoxalmente não se verificou, antes pelo contrário: as despesas aumentaram – e muito, vertiginosamente.

Há muito que reconheço a veracidade desta afirmação, considerando, pois, que a gestão está errada: “O ‘mal-estar’ dos cuidadores nos hospitais deve-se à reestruturação do sistema de gestão interna para um modelo de gestão privada, iniciado em 2002, com os estabelecimentos públicos de natureza empresarial, que sem ética de administração e de organização no sistema de cuidados de saúde introduziram, obrigatoriamente, sem a mínima explicação aos trabalhadores, regras empresariais da era industrial, com fins lucrativos, e políticas de redução de custos”.

Este modelo foi e é responsável pela destruição das carreiras médicas, dos contratos individuais de trabalho e da gestão democrática, acabando com a eleição dos diretores clínicos, revogando o decreto regulamentar n.º 30/77 da autoria do ministro da Saúde Paulo Mendo.

A nomeação de gestores com poderes exorbitantes desequilibrou a relação de poder entre os cuidadores e a administração, agravada por direções médicas selecionadas com critérios a maior parte das vezes discutíveis e nomeadas ad eternum, sem serem avaliadas, em que a filiação partidária conta mais que o percurso curricular.

Qual o papel dos médicos?

O grande público não se dá conta, mas a gestão da saúde é cada vez mais decidida nos ministérios e nos corredores do governo e imposta aos médicos no terreno, ficando estes reduzidos a simples executores.

Os médicos são profissionais responsáveis com longos anos de estudo e, no entanto, cada vez mais vêm explicar-lhes como devem fazer o seu trabalho, apesar de muitos reconhecerem que os ganhos fundamentais em saúde têm sido conseguidos à custa do esforço médico, o que conduz à sua exaustão.

Em França, há muitos anos, fez-se o mesmo que em Portugal, ou seja, confiou-se unicamente a governança hospitalar aos administradores, o que é caso quase único na Europa.

A revista on-line JIM.fr (acesso pago) realizou uma sondagem, junto dos seus leitores, para saber qual modelo de gestão preferiam. A resposta foi unanime: 94% dos profissionais de saúde foi favorável a que a direção dos hospitais fosse confiada a médicos. Destes, 29% defenderam o modelo alemão, onde a gestão é inteiramente confiada a médicos, ao passo que 65% foi a favor de um modelo misto, como em Espanha, onde o hospital seria gerido por um binómio medico-administrador. Somente 6% preferiam o atual modelo.

Suponho que esta sondagem, se realizada em Portugal, teria os mesmos resultados. Com efeito, inúmeros artigos publicados em revistas científicas e de divulgação confirmam que os hospitais ou departamentos são mais bem geridos por médicos.

À guisa de conclusão, considero que os estabelecimentos de saúde devem ser geridos por um binómio médico-administrador. O primeiro, eleito pelos seus pares, e o segundo, escolhido após abertura de concurso público.

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