Os antivirais e a covid-19 em Portugal: à procura do rubi nos destroços da 6.ª vaga

Com as armas terapêuticas antivirais que temos agora ao dispor, não é aceitável esta mortalidade e que as autoridades de saúde fiquem de braços cruzados, como se estas pessoas estivessem condenadas a priori

Escrevo este artigo no segundo dia da minha primeira infeção pelo SARS-CoV2 desde o início da pandemia. Apesar das três doses de uma das mais eficazes e seguras vacinas desenhadas até hoje, a Ómicron (provavelmente a subvariante BA.5 que é atualmente dominante em Portugal) teima em dar-me dores musculares, febre, obstrução nasal… Se não for muito além disto, diria que não foi pior que outros síndromes gripais do passado!

De facto, a alta contagiosidade e capacidade de evadir o sistema imunológico (treinado para responder à variante nativa de Whuan) da BA.5 não me deu tréguas, apesar de levar sempre um monitor de CO2 para me assegurar das condições de ventilação dos espaços, usar sempre uma máscara FP2 em locais fechados, e só a retirar em casa (sem visitas) ou em caso de desporto ao ar livre.

Se no meu caso (espero) a doença não vai evoluir para exigir hospitalização ou morte, continuam a morrer semanalmente em Portugal um número excessivo de pessoas (a maioria do grupo etário acima dos 80 anos), como se, a cada semana, caísse um avião de passageiros em Portugal!

Se com as vacinas pudemos salvar muitas vidas, o mesmo pode acontecer com os novos antivirais!

Ora com as armas terapêuticas antivirais que temos agora ao nosso dispor não é aceitável que esta mortalidade continue e que as autoridades de saúde fiquem de braços cruzados como se estas pessoas estivessem condenadas a priori. De facto, desde a publicação da norma 005/2022 em 28 de Maio de 2022, que define os doentes candidatos às ditas terapêuticas, o cenário continua igual! Apesar de esta norma ser muito restritiva e incluir apenas doentes não vacinados com factores de risco para doença grave ou doentes imunodeprimidos, os medicamentos orais propostos não estão a ser prescritos.

As minhas fontes dizem-me que até hoje só foi dispensado um tratamento com Paxlovid em Portugal (um dos antivirais mais eficazes por via oral, que se destina a evitar que logo que o doente se contagie a doença evolua para internamento ou morte). Além disso, quer os doentes de risco (que deveriam estar já identificados e “mapeados”), quer os clínicos não parecem conhecer de todo a forma como em Portugal se pode aceder a estas prescrições de antivirais. Ora, como nestes casos todo o tempo conta, é nos primeiros cinco dias que os medicamentos orais se devem utilizar.

Como poderá um idoso de 90 anos (elegível para o tratamento) que viva em Freixo de Espada-à-Cinta aceder nesta curta janela terapêutica ao medicamento? Será um doente, por exemplo, com asma ou Doença Pulmonar Crónica graves, previamente vacinado, não candidato aos antivirais, quando sabemos que são patologias que levam a internamento?

As indicações tão restritivas da DGS devem-se apenas à existência de stocks muito reduzidos dos fármacos. Porque não foram comprados em quantidades adequadas? Não é compreensível que, por exemplo, aqui na vizinha Espanha, em Março de 2022, já estava acessível Paxlovid a nível hospitalar e que noutros países seja possível prescrever este fármaco mesmo a doentes completamente vacinados!

De facto, estudos recentes provenientes de Hong-Kong (durante a vaga da Omicron BA.2.2), Israel (durante a vaga da Ómicron B.1.1.529), e EUA (durante as vagas Ómicron BA.1.1, BA.2, and BA.2.12.1) demonstraram que o Paxlovid foi altamente eficaz, respetivamente, para prevenir internamento e morte mesmo em doentes previamente vacinados independentemente da idade, nos vacinados com idade superior a 65 anos, e sobretudo naqueles em que a ultima dose da vacina foi há mais de 20 semanas. Por isso, neste momento, será ético não oferecer estas terapias valiosas a doentes vacinados e oferecê-las àqueles que, não se tendo vacinado, ignoraram os apelos da saúde pública?

Ao contrário de países como o Reino Unido que montaram, no serviço nacional de saúde, uma ferramenta para permitir identificar rapidamente os casos elegíveis, ou a Grécia que tem um registo gerido pelas autoridades farmacêuticas, em Portugal permanece tudo muito hermético sem que se conheçam com clareza os circuitos de dispensa destes fármacos.

Não é aceitável que se mantenha inacessível o uso destes fármacos em Portugal e continuemos o pior país da Europa no que diz respeito à mortalidade por covid-19!

Tal como a organização do programa de vacinação em Portugal foi exemplar, nesta 6.ª onda pandémica que vivemos o acesso aos antivirais deveria ser equitativo, célere e transparente!

Convido as autoridades de saúde competentes em Portugal a: 1) disponibilizar informações precisas e atualizadas sobre onde e como aceder aos antivirais ; 2) melhorar a formação dos médicos (sobretudo os da linha da frente ou em consultas específicas de doentes de risco) para que tenham as informações necessárias para prescrever antivirais adequadamente; 3) garantir que todos os doentes com testes positivos para covid-19, e que sejam elegíveis, possam ser rapidamente referenciados a um profissional de saúde que possa validar de imediato a prescrição; 4) rever a norma 05-2022 para incluir doentes previamente vacinados

Perante uma vaga tão prolongada em Portugal, com mortalidade persistente (apesar da ampla cobertura vacinal), com variantes que evadem altamente o sistema imunitário, devemos perguntar-nos se estamos a fazer o suficiente! Todos nós, profissionais de saúde, temos um dever ético de contribuir para melhorar a situação atual. Acesso equitativo aos antivirais deve ser implementado e incentivado!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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