Rob Greenfield, o activista que veste lixo, não toma duche e não paga impostos

Não tem documentos de identificação, come apenas o que produz e não tem contas bancárias. O norte-americano quer “chocar” e alertar as pessoas para os “murros” que estão a dar à Terra. Durante um mês, andou por Los Angeles como “um cartaz ambulante do consumismo”.

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“E se eu vivesse como uma pessoa normal durante 30 dias, mas usando todo o lixo que criei?”. Foi o que pensou, e fez, Rob Greenfield. Este ano, de 20 de Abril a 20 de Maio, o activista norte-americano, de 35 anos, voltou a percorrer ruas, desta vez as de Los Angeles, com quilos e quilos de resíduos a servirem de indumentária. Comeu, comprou, consumiu, “tal como muitos de nós estamos habituados”. A única excepção? Não tinha caixote do lixo.

“Em apenas dez, 12 dias, fiquei impressionado com a quantidade de lixo que se estava a acumular, o quão exigente era carregar o equivalente a um mês de lixo de uma pessoa. E a realidade é que criei metade da média americana ou europeia ocidental. É simplesmente absurdo! Pensava: ‘Isto é absolutamente ridículo.’ Tanto a quantidade de lixo que criamos, como o que eu estava a fazer eram ridículos”, relata, numa videochamada com o P3.

Inspirado no documentário Super Size Me, “em que Morgan Spurlock come apenas McDonald's durante 30 dias”, o propósito desta acção foi “alcançar milhões de pessoas para as fazer realmente compreender quanto lixo apenas um de nós cria e quanto vai somando, porque, para a maioria, [o lixo] está longe da vista, longe do coração”. Para isso, foi mostrando como corria a experiência nas redes sociais e em várias entrevistas aos media.

“É fácil ficarmos apenas envolvidos no dia-a-dia, focarmo-nos apenas no mundano e em todos os problemas sobre os quais não podemos fazer muito”, refere o Trashman ou Trashformer, como ficou conhecido. “O que tento fazer”, explica, “é inserir a minha mensagem nos principais meios de comunicação social e captar realmente a atenção das pessoas, chocá-las para fora do seu estado adormecido, e inspirar mudanças positivas”.

Uma abordagem “extrema” que Rob defende em todas as suas acções, “porque vivemos, de facto, em tempos extremos”: “Os EUA têm 5% da população mundial, mas consomem 25% dos recursos mundiais, o que, por definição, é extremo. Por isso, o que eu faço é ir para o outro fim do ‘pêndulo do extremismo’ para tentar trazer-nos de volta a um estado de existência razoável em harmonia com a Terra, com a humanidade e com todos os nossos parentes animais e plantas.”

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Questionado se esta postura pode, ao invés de motivar e inspirar, assustar o público-alvo, Rob Greenfield não tem dúvidas: “Sim, com certeza. Eu assusto definitivamente as pessoas”.

Porém, o ambientalista sustenta que, “independentemente da forma de activismo que se escolher”, haverá pessoas que irão aceder e outras que não. “Se eu não fizesse nada extremo e apenas fizesse o que só era acessível a todos, muita gente diria que não estou a fazer o suficiente. E eles teriam razão”, diz.

“Nós, como indivíduos, podemos assumir a responsabilidade das nossas acções, mas precisamos que corporações e governos criem mudanças sistémicas maciças. E a minha mensagem, particularmente para as pessoas privilegiadas do mundo — que são as que estão a usar recursos desproporcionalmente —, é que é nossa responsabilidade acordar para como as nossas acções estão a causar destruição”, assevera.

“Não quero criar a falsa crença de que um pouco é suficiente”

“Andar pelas ruas coberto de lixo” é, de certa forma, uma atitude de confronto, considera Rob Greenfield, no sentido em que o norte-americano passa a ser “um cartaz ambulante do consumismo directamente na ‘cara’ do consumidor”. Em simultâneo, “é totalmente não confrontador”, porque tudo o que faz “é viver a vida, andar por aí”. “Eu não digo às pessoas o que estou a fazer. Quando perguntam, digo: ‘Estou apenas a viver como uma pessoa comum durante um mês e a usar cada pedaço de lixo que eu pessoalmente crio’.” Ao não acusar frontalmente o público de estar “a fazer algo de errado”, Rob espera oferecer “às pessoas uma oportunidade de, em vez de terem a sua guarda levantada”, ficarem espantadas e, depois, questionarem-se: ”É este o lixo que estou a criar?”

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A primeira edição do 30 Days of Wearing My Trash ocupou as avenidas de Nova Iorque, em 2016. Desde então, a performance, que se repetiu este ano, “tornou-se viral, atravessou centenas de meios de comunicação em todo o mundo, desde notícias locais a grandes media, ou mesmo redes sociais”, narra.

Ao conseguir alcançar “milhões de pessoas”, Rob acredita que “uma certa percentagem” dos indivíduos “vai manter a mensagem” consigo “nos próximos anos”. “Essa é a ideia desta imagem: da próxima vez que alguém pegar naquela garrafa de água ou naquela palhinha, pode-me imaginar na rua com os 33 quilos de lixo em cima de mim e isso cria uma auto-reflexão”, descreve.

Foi precisamente essa auto-reflexão que em 2011 desencadeou uma transformação radical na vida de Rob Greenfield. “Eu tinha dois carros, fazia compras no Walmart, bebia a cerveja mais barata que podia encontrar, levava para casa sacos plásticos, desperdiçava muita água, comia muita carne de criação industrial, precisava sempre dos aparelhos mais novos”, conta no seu site.

Passou de priorizar “bebedeiras ao fim-de-semana” e de aspirar “ser rico”, para retirar o dinheiro que tinha em bancos e investimentos “que fazem mal ao ambiente”. Vendeu o carro, viveu na rua durante uma semana para “aprender o que é ser sem-abrigo”, fez uma vasectomia para poder dedicar o seu tempo “na Terra às massas, em vez de criar um filho”. Mudou a alimentação e hábitos de consumo, passando a comer apenas o que produzia ou recolhia, cancelou os cartões de crédito e em 2014 completou o seu primeiro ano sem tomar “um banho convencional”, optando por se banhar em rios e lagoas com sabão biológico.

“Eu nunca diria que é fácil mudar as nossas vidas. Sim, há coisas que podemos fazer que são fáceis, mas se estamos a falar de realmente mudar para um modo de existência sustentável, estamos a falar de uma transformação radical de nós mesmos como indivíduos nas sociedades. Um pouco é quase nada, com toda a honestidade”, pronuncia.

Pondo-nos no lugar do planeta, exemplifica Rob, “se todos os dias estamos a esmurrar a Terra na cara dez vezes” e decidimos que vamos passar a fazê-lo apenas nove vezes, seríamos “óptimas, boas pessoas?”. “A Terra diria: ‘Não, ainda me estão a esmurrar nove vezes por dia! Não te podes chamar sustentável, podes dizer que és um pouco menos destrutivo, mas ainda és um agressor. É aí que eu não quero criar a falsa crença de que um pouco é suficiente”, exprime. “Dito isto, trata-se de fazer uma mudança positiva de cada vez”, completa.

“Não tenho qualquer forma de identificação”

Rob quer “ser a essência de um humano livre”. Para tal, uma das suas experiências de vida” é ver até onde se pode “afastar dos governos” e empresas que não apoia “verdadeiramente”. “É por isso que me comprometi, em 2015, a não pagar impostos federais para o resto da minha vida e viver abaixo do limite federal de pobreza [abaixo dos dez mil dólares]”, revela.

Entretanto, o activista criou o “próprio sistema tributário”, no qual “100% da renda imediata é doada directamente para associações sem fins lucrativos ligadas ao meio ambiente”. “A realidade é que estou a pagar uma taxa de imposto muito mais alta do que a maioria dos meus compatriotas americanos, mas optei por distribuí-la por iniciativas subfinanciadas que realmente servem as pessoas”, constata.

Nenhuma das múltiplas viagens que fez pelo mundo, que muito o inspiraram, passou por Portugal. “Uma razão pela qual ainda não fui é porque posso nunca mais querer voltar”, diz Rob, com um sorriso.

Quanto a passear o fato de lixo por outros pontos do globo, o norte-americano “está totalmente aberto” a essa possibilidade. Existe, porém, um entrave: “Neste momento, não tenho qualquer forma de identificação: não tenho passaporte, carta de condução, certidão de nascimento ou número de segurança social. Acabei de me ver livre do meu passaporte há duas semanas. O que significa que, se for para a Europa, vou estar num veleiro e entrar sem identificação, o que estou muito aberto a fazer”, manifesta. Uma forma de estar que se trata “também de levar as pessoas a questionar todas as normas que são consideradas como sendo factos”.

“Viver simplesmente para que outros possam simplesmente viver” é a filosofia de Gandhi que Rob segue religiosamente. Espalhar esta doutrina pelo mundo é um “objectivo” que o norte-americano sabe, à partida “que nunca será atingido”. “Isto é, para mim, é um trabalho para uma vida inteira. Há uma década que faço activismo ambiental e tenciono fazê-lo durante mais cinco décadas. Portanto, todas estas campanhas são pequenos capítulos dentro do quadro geral.”

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Sierra Ford Photography/ Rob Greenfield Site

Para já, “uma das missões é crescer e produzir toda a roupa, do solo ao vestuário”, para que “quando morrer” possa “regressar à Terra durante muito tempo com toda a roupa” que tem “no corpo”. E mais virá: “Nos próximos anos espero criar algo na linha de um centro de vida verde, um lugar onde as pessoas possam vir de todo o país ou de todo o mundo ou localmente para aprender a reconectar com a Terra. Onde as pessoas podem vir e libertar-se do consumismo, através da vida simples e depois voltar com ferramentas para transformar as suas vidas e as suas comunidades.”

Texto editado por Amanda Ribeiro

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