Santos Silva recusa diploma do Chega sobre prisão perpétua porque “viola flagrantemente” a Constituição

O presidente da Assembleia da República reiterou que não admitirá, “em nenhuma circunstância, projectos de lei que violem tão flagrantemente a Constituição da República Portuguesa”.

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Na última semana, o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, recusou admitir um projecto de lei do Chega para alterar no Estatuto dos Deputados por também considerar que infringia a Constituição Nuno Ferreira Santos

O presidente da Assembleia da República decidiu não admitir o projecto de lei do Chega que propunha a introdução da prisão perpétua no Código Penal em alguns crimes de homicídio, argumentando que “viola flagrantemente” a Constituição. O tema foi levantado por André Ventura durante o debate sobre as prioridades da presidência checa do Conselho Europeu, na Assembleia da República nesta quarta-feira à tarde.

“Já que o senhor deputado se referiu ao meu despacho de não admissão do projecto de lei apresentado pelo Chega, confirmo a não admissão”, afirmou o presidente do Parlamento. Augusto Santos Silva sustentou que “é um projecto de lei que procurava restabelecer a pena de prisão perpétua em Portugal, e viola flagrantemente o artigo 30.º da Constituição”, pelo que não foi admitido.

Esse artigo estipula “não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida”, lembra Santos Silva no despacho em que recusa a admissão do projecto de lei.

No plenário, ainda respondendo a André Ventura, o presidente avisou que não admitirá, “em nenhuma circunstância, projectos de lei que violem tão flagrantemente a Constituição da República Portuguesa”.

Antes, no início da sua intervenção no debate, André Ventura disse ter sido informado da recusa de mais um projecto do Chega. E considerou ser “um mau sinal” e uma “má prática política que não dignifica a Assembleia da República”.

O projecto de lei do Chega introduz a pena de prisão perpétua no Código Penal para “crimes de homicídio praticados com especial perversidade, nomeadamente contra crianças" e vem na sequência da morte de uma criança de três anos em Setúbal devido a agressões de uma família que alegadamente a raptou durante vários dias.

O diploma propunha alterar o artigo 132.º do Código Penal, sobre o crime de homicídio qualificado, passando a actual moldura penal máxima de entre 12 a 15 anos de prisão para a pena de perpétua e alterava ainda as regras da liberdade condicional. “Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos, ou com pena de prisão perpétua se o elevado grau da ilicitude do facto e as condições pessoais do condenado o justificarem”, referia o articulado do projecto de lei.

A nota de admissibilidade da Divisão de Apoio Parlamentar cita os constitucionalistas Jorge Miranda e Rui Medeiros que argumentam que o artigo 30.º da Constituição proíbe “sanções criminais com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida” - ou seja, mesmo não sendo para toda a vida, tenha um limite máximo tão elevado que se tornaria perpétuo. “O projecto de lei suscita-nos manifestas dúvidas de constitucionalidade, parecendo não cumprir” a regra do regimento que estipula que não podem ser admitidos diplomas que violem os preceitos constitucionais.

Augusto Santos Silva ja tinha recusado, na semana passada, admitir um projecto de lei do Chega para alterar no Estatuto dos Deputados as regras sobre a imunidade parlamentar, também por considerar que infringia a Constituição. O diploma previa que a lei do Estatuto dos Deputados passasse a estabelecer que o Parlamento “deve autorizar que os deputados sejam ouvidos como declarantes ou como arguidos, sempre que os factos subjacentes ao pedido não digam respeito a votos ou opiniões que emitirem no exercício das suas funções” - sem que fosse necessária qualquer autorização do Parlamento.

Porém, é a Constituição que estipula que os deputados “não podem ser ouvidos como declarantes nem como arguidos sem autorização da Assembleia, sendo obrigatória a decisão de autorização, no segundo caso, quando houver fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos”. Para mudar parte desse regime no Estatuto dos Deputados, teria que haver primeiro uma revisão do preceito constitucional.

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