Tráfego marítimo e água mais quente ajudam alga invasora a proliferar no estreito de Gibraltar

A macroalga Rugulopteryx okamurae, presente nos Açores desde 2019, está há mais tempo do que isso nas águas de Gibraltar, cujos ecossistemas têm sido fustigados por várias espécies invasoras.

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Rugulopteryx okamurae compete contra as espécies nativas pela ocupação do espaço — e também por nutrientes María Altamirano

A macroalga castanha Rugulopteryx okamurae, nativa da Ásia, vem a revelar um comportamento invasor nos Açores desde 2019, mas começou a debilitar os ecossistemas das águas do estreito de Gibraltar quatro anos antes. E antes dela já haviam proliferado nessa região três outras espécies invasoras: as algas vermelhas Asparagopsis armata e Asparagopsis taxiformis e a alga verde Caulerpa cylindracea, todas nativas da Austrália (as duas algas vermelhas são nativas também da Nova Zelândia). Afirma-o María Altamirano, professora na Universidade de Málaga, que, ao PÚBLICO, indica ser provável que, tendo fragilizado os ecossistemas marinhos, a primeira invasão tenha facilitado a materialização da segunda — e assim sucessivamente. A ser verdade, isto significa que, possivelmente, a Rugulopteryx okamurae não será a última espécie não nativa a pôr em causa a biodiversidade do território.

Esta macroalga — ​cuja chegada à zona do mar Mediterrâneo aconteceu em 2002 (foi detectada em França, na lagoa de Thau, onde, de resto, não revelou uma actuação invasora; coabitava com as espécies nativas da região sem as afligir) — ​foi identificada em 2015 em Ceuta, cidade espanhola que fica em território marroquino e é, em parte, banhada pelo estreito de Gibraltar. Hoje, está presente em grande quantidade nesse enclave, bem como em várias províncias da Andaluzia, comunidade autónoma que, pertencendo ao Sul de Espanha, também é banhada pelo estreito de Gibraltar.

Altamente competitiva, no sentido em que produz substâncias que inibem o crescimento dos seres que contra ela competem pela ocupação do espaço (e, também, pela obtenção de nutrientes), esta espécie invasora tem, agora sim, levado a uma problemática perda de biodiversidade. María Altamirano refere saber que pescadores de Cádis e Málaga, duas das oito províncias que compõem a comunidade autónoma da Andaluzia, começam a ficar preocupados, pois a Rugulopteryx okamurae está a provocar perdas dramáticas em termos de capturas de peixe.​

O problema não tem só que ver com o facto de as espécies nativas estarem a desaparecer. A macroalga também está a destruir muitas redes de pesca. Quando o material não fica totalmente estragado, tem de ser limpo pelos pescadores, que, na prática, têm de remover cada alga manualmente (e, se for o caso, reparar danos menores). Dada a presença avassaladora da Rugulopteryx okamurae, esse processo é laborioso. Tão laborioso que “pode durar uma semana”, assinala María Altamirano, especialista em ficologia — ramo da botânica que se dedica ao estudo das algas.

Uma invasão mais agressiva do que as três anteriores

A docente foi contactada em 2019 pelo Governo espanhol para estudar esta espécie invasora e os riscos associados à sua propagação — que continua a ser significativa, pois cada espécime consegue clonar-se milhares de vezes. “Desenvolvemos um modelo para perceber em que regiões de Espanha e da Europa — e do mundo, na verdade — existia maior probabilidade de a espécie estar ou vir a estar”, lembra. Toda a bacia do Mediterrâneo foi imediatamente identificada como sendo uma região particularmente apetecível para a Rugulopteryx okamurae. Um dos principais motivos remete, em parte, para o papel das alterações climáticas: condições ideais em termos de temperatura da água. Haverá outros factores ambientais de relevo, mas María Altamirano não os elenca, pois, diz, ainda falta demonstrar que eles sejam efectivamente importantes quando se fala desta macroalga castanha.​

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A bacia do Mediterrâneo é, devido a condições ideais em termos de temperatura, uma região apetecível para a alga invasora María Altamirano

Já terá sido recolhida, no entanto, suficiente informação para a especialista falar sobre aquela que é “a grande diferença” entre a Rugulopteryx okamurae e as espécies invasoras Asparagopsis armata, Asparagopsis taxiformis e Caulerpa cylindracea, as tais que no passado também já condicionaram os ecossistemas do estreito de Gibraltar. A Rugulopteryx okamurae é especialmente agressiva. Com as outras algas invasoras, algumas espécies nativas, como por exemplo a alga castanha Halopteris scoparia, conseguiram sobreviver e manter-se nos ecossistemas marinhos. Mas a Rugulopteryx okamurae “não é nada amigável”, aponta María Altamirano.

Lembrando a importância das ervas marinhas, que “​são os nossos pulmões no mar”, pois têm capacidade fotossintética e, como tal, produzem oxigénio em grande quantidade, a docente observa que as espécies invasoras que antecederam a Rugulopteryx okamurae não haviam atacado muito as ervas marinhas presentes no estreito de Gibraltar. A história está a ser diferente desta vez, contudo. Espécies endémicas do mar Mediterrâneo, designadamente a planta Posidonia oceanica, estarão a desaparecer de muitos habitats, sugere a ficóloga.

Esta pode não ser a última espécie invasora

María Altamirano avisa que o facto de a Rugulopteryx okamurae ser a alga não nativa que neste momento suscita preocupação não significa que as outras espécies invasoras tenham deixado o estreito de Gibraltar. “Eis o que estamos a observar: uma espécie invasora pode ser substituída pela seguinte em termos de poder e consequências, mas ela nunca desaparece”, sublinha, dizendo ser certo que, pelo menos, as algas vermelhas Asparagopsis armata e Asparagopsis taxiformis permanecem nos ecossistemas do estreito.​

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Formações em massa da alga invasora María Altamirano

A especialista pede realismo quando se perspectiva o futuro próximo. Diz que, devido à sua abundância, é “impossível” fazer a Rugulopteryx okamurae desaparecer. O máximo a que neste momento se pode aspirar é impedir que ela se propague mais.

E como é que se propaga? “O intenso tráfego marítimo ajuda a espécie a viajar de um lado para o outro, já que consegue fixar-se no casco das embarcações ou nas redes dos pescadores”, explicava, num artigo científico de 2021 sobre a presença da Rugulopteryx okamurae nos Açores, o investigador português João Faria, que sugeriu ainda que “o meio de dispersão mais provável será através das águas de lastro dos navios, que são despejadas à chegada aos portos”.

“As águas de lastro não podem ser despejadas descuidadamente. Há que se estar atento à possível presença da alga”, adverte María Altamirano, que aproveita para dizer que também os pescadores têm de ser cautelosos. “Não podem limpar as redes antes de chegarem à doca. Se as limparem enquanto ainda estão a navegar, devolvem a alga ao mar em coordenadas aleatórias e, assim, facilitam ainda mais a sua dispersão.”

“Se não começarmos a controlar os vectores de propagação, a Rugulopteryx okamurae não será a última espécie invasora a chegar ao estreito de Gibraltar”, alerta a investigadora na Universidade de Málaga, que avisa: “Pode ser que a espécie que a vai substituir e ter um impacto maior até já aqui esteja.”

María Altamirano diz que, em Espanha, “está a ser desenvolvida uma estratégia nacional” para tentar controlar a Rugulopteryx okamurae em termos de propagação. Refere também que, após ter sido contactada pelo Governo espanhol para avaliar os riscos associados à macroalga, o executivo de Pedro Sánchez formalizou um pedido para a Rugulopteryx okamurae ser incluída na lista de espécies exóticas que suscitam preocupação na União Europeia.

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