A qualidade do Estado

Infelizmente, ente nós, a concretização da esperança num Estado melhor raramente chega a ver a luz do dia. Aliás, o Orçamento do Estado, entretanto aprovado, pela sua prolixidade e falta de ambição estratégica, não deixa de sofrer dessa lamentável e tão repetida maleita.

No seu mais livro mais recente, A Economia da Missão, Mariana Mazzucato afirma que o Estado “precisa de ser criativo, estratégico e inteligente". Ora, sem ser necessário concordar com todos os argumentos desta prestigiada economista, tal afirmação remete para a qualidade do Estado, para a eficácia e eficiência dos seus serviços, para a competência dos seus agentes, mais do que para a eterna questão da sua dimensão ou natureza ideológica.

E não haverá melhor oportunidade para ajuizar sobre a qualidade do Estado, e sobre e sua relação com a sociedade, do que o atual momento. Mais, tendo saído das últimas eleições uma maioria clara, temos agora o contexto ideal para avançar com uma agenda que apresente soluções práticas para melhorar a qualidade das instituições públicas. Uma agenda criadora e estratégica. Uma agenda que aposte num Estado de qualidade, ou repetindo uma expressão da moda, uma agenda que promova um Estado inteligente.

É verdade que, no início de cada novo ciclo político, renasce sempre a esperança no aperfeiçoamento das instituições, na simplificação dos procedimentos ou, ainda, mas não menos importante, a esperança na redução de impostos e na premente contenção da despesa pública desnecessária. No fundo, em cada nova legislatura, renasce sempre a esperança num Estado melhor.

Infelizmente, como também é recorrente entre nós, após estes períodos mais ou menos agitados, cheios de promessas e anúncios, a concretização dessa esperança raramente chega a ver a luz do dia. Aliás, o Orçamento do Estado, entretanto aprovado, pela sua prolixidade e falta de ambição estratégica, não deixa de sofrer dessa lamentável e tão repetida maleita.

Mas para evitar tal fatalidade, e porque temos aí quatro anos de provável estabilidade política e um extenso conjunto de financiamentos europeus a ajudar, é fundamental ir além da mitigação dos efeitos da pandemia ou da resiliência aos efeitos da guerra em curso. É premente enfrentar o eterno problema da dívida soberana, o já visível retorno da inflação e das altas taxas de juro, garantindo, ao mesmo tempo, e de forma robusta e inovadora, a nossa sustentabilidade, enquanto país independente capaz de assegurar uma vida decente a todos os portugueses.

Para ajudar nesse caminho, isto é, para alcançar um Estado com qualidade, inteligente, que dê o exemplo à economia e à sociedade, é preciso promover:

  • Um Estado, cujo sistema de justiça seja imparcial, mas não desligado da realidade que julga. Um Estado que, através da independência dos seus tribunais, dê fluidez à economia e confiança aos cidadãos.
  • Um Estado acarinhado e respeitado pela sociedade e pelas comunidades locais. Um Estado que fortaleça o civismo. Um Estado onde os cidadãos se sintam, não apenas utentes, mas, sobretudo, donos do seu destino.
  • Um Estado que promova a competição saudável, que estimule a escolha. A questão central não é tanto a do serviço ser prestado pelo setor público ou privado. A ponto decisivo está em existir concorrência ou monopólio, pois o monopólio, público ou privado, tende sempre a encarecer e degradar a qualidade dos serviços prestados.
  • Um Estado movido pela missão. Um Estado que qualifique as organizações públicas através da avaliação de indicadores de desempenho. Só assim poderá ser objeto de escrutínio e, consequentemente, objetivamente responsável.
  • Um Estado orientado para os resultados e não apenas para os procedimentos complexos e burocráticos. Um Estado que lidere pelo exemplo e tenha sempre como finalidade o interesse público.
  • Um Estado rigoroso na gestão dos recursos disponíveis, porque estes são sempre escassos. A avaliação custo-benefício, a análise do custo de oportunidade, deve estar sempre presente em cada utilização dos recursos públicos.
  • Um Estado preventivo que, sem estar prisioneiro dos novos deuses da ciência e da tecnologia, antecipe os riscos e os perigos.
  • Um Estado que não corra atrás do prejuízo, tentando remediar as ocorrências, mas que antecipe, avalie e dê confiança aos cidadãos. Afinal vivemos, cada vez mais, numa sociedade complexa e de risco.
  • Um Estado desconcentrado, onde o princípio da subsidiariedade esteja sempre presente. Um Estado que transite da clássica hierarquia, para a contratualização e o trabalho em rede.
  • Finalmente, um Estado focado no mercado, que respeite o mercado, mas não submetido ao mercado. Um Estado que reduza os custos de contexto, mas que regule com firmeza as falhas desse mesmo mercado.

Em suma, mais do que anunciar um Estado grande ou um Estado mínimo, importa garantir a qualidade, a inteligência desse mesmo Estado. Um Estado que não domine que não instrumentalize, mas que sirva a dignidade da pessoa humana. Um Estado forte, preventivo, mas moderado e justo, pois só as instituições credíveis geram a riqueza dos povos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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