Quando serão publicados os Twitter papers?

O Twitter evocou a primeira emenda e os direitos de privacidade dos usuários para não revelar a informação solicitada pela comissão de inquérito sobre o ataque ao Capitólio. Isto numa altura em que é multado por ter vendido dados dos usuários a anunciantes.

As audiências em curso sobre o ataque ao Capitólio trazem de volta as plataformas sociais para o centro da política norte-americana. As redes tiveram um papel fulcral antes, durante e após o ataque, e essa centralidade é renovada com as actuais inquirições.

Se, após as eleições de 2020, a conversação online foi fundamental para consolidar a narrativa da big lie e mobilizar os atacantes, as redes foram igualmente relevantes durante a invasão. Muitos dos intervenientes transmitiram-na em directo, aproximando assim do epicentro outros apoiantes que, por sua vez, amplificaram ainda mais o momento partilhando-o nos seus feeds. Sem estas imagens, a percepção pública do acontecimento teria sido muito diferente, tal como a cobertura noticiosa: as maratonas jornalísticas alimentaram-se daquelas imagens. Elas foram também determinantes para a constituição de provas de crime que, inadvertidamente, os perpetradores produziram contra si próprios.

Acresce que a desplataformização de Donald Trump marcou de forma inegável o papel das redes neste momento crítico da democracia norte-americana.

Agora, que as novas audiências começaram, o papel das redes não será menor. A transmissão em directo pela televisão pretende recolocar o ataque no topo da atenção pública, da agenda mediática e das trends digitais. Esse visionamento é amplificado através de comentários espontâneos nas redes, que se entrecruzam com excertos de imagens, declarações e documentos mostrados na TV, estrategicamente postos a circular online pelos dois lados da contenda para alimentarem posições e rejeições – sendo tudo isto, como é óbvio, indissociável das midterm elections.

Mas o envolvimento das redes sociais tem outras camadas de complexidade. É que a comissão de inquérito pediu ao Twitter (e a outras plataformas) o acesso às comunicações privadas, e respetivos metadados, de Trump no período da invasão. Os seus tweets são sobejamente conhecidos, mas o que terá dito nas mensagens directas? E a quem? A comissão pediu também a troca de emails entre funcionários da plataforma para apurar quem sabia o quê, desde quando e que diligências tomou.

Sem surpresa, o Twitter evocou a primeira emenda e os direitos de privacidade dos usuários para não revelar a informação solicitada. Acontece que este pedido ocorre no momento em que a rede é multada em 150 milhões de dólares por ter vendido a anunciantes dados dos usuários – dados que solicitara para melhorar a segurança e a privacidade das contas. De facto, entre 2014 a 2019, para efeitos de autenticação de dois factores, mais de 140 milhões de utilizadores forneceram números de telefone e endereços de email ao Twitter, que os colocou na cadeia de valor do big data.

Medir, manipular e monetizar o comportamento humano online tornaram-se há muito práticas rotineiras destas empresas, que desempenham um papel central no sector da quantificação social e cujo peso aumenta à medida que mais actividades ocorrem de modo digital. O potencial de lucros centrado na extracção de dados que este modelo oferece a outros sectores contribui ainda mais para que as tecnológicas acumulem poder e condicionem quadros legais. Mesmo depois da interferência estrangeira nas eleições presidenciais de 2016 e do escândalo da Cambridge Analytica, os Estados Unidos continuam sem uma lei substancial sobre a privacidade de dados a nível federal.

A presidente da Federal Trade Commission frisou recentemente essa necessidade, bem como a de dotar a agência de meios financeiros adequados para prosseguir a sua missão. Esta intenção tem, todavia, esbarrado na incapacidade de os partidos construírem compromissos no contexto da acirrada polarização política norte-americana, algo a que não é alheio o intenso lobbying feito pelas plataformas para modelarem o regime regulatório.

A auto-responsabilização, essa, está ainda mais longe de acompanhar o ritmo e o alcance da extracção de dados. Tudo isto ajuda a explicar por que razão as fugas de informação no sector se tornaram a via principal de divulgação do modus operandi destas empresas cujo modelo de negócios se estrutura na assimetria de poder e na opacidade algorítmica. Será que temos de esperar por uns “Twitter papers” para confirmarmos que o que é muitíssimo rentável para essas empresas é deveras prejudicial para a democracia?

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