Incidência nos mais velhos está “nos níveis máximos” da pandemia

O matemático diz que, em termos de covid-19, estamos num planalto “ligeiramente inclinado para baixo”.

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O matemático Óscar Felgueiras DR

Com as mortes acima do objectivo do ECDC, a chegada ao período de festas e feriados é factor de preocupação adicional. “Estes eventos de massa são sempre um factor de risco. E vão ser muitos eventos espalhados pelo país todo. O que daí resulta é um risco potencial de termos uma circulação do vírus ainda elevada”, explica o matemático Óscar Felgueiras.

Como está a evoluir a mortalidade por covid-19 no último mês?
A mortalidade tem aumentado. Com os dados desta sexta-feira, temos 47 óbitos a 14 dias por milhão de habitantes. Está substancialmente acima do objectivo do ECDC. No fim de Abril, no dia 30, estávamos com 24 mortes por milhão de habitantes. Portanto houve praticamente uma duplicação desta mortalidade ao longo do último mês.

Isto é consequência, acima de tudo, dos casos em idosos acima dos 80 anos. Sabemos que cerca de três quartos dos óbitos que ocorrem são idosos desta idade. Passamos a ter, neste grupo etário, uma média a sete dias de cerca de 1500 casos diários — no fim de Abril, estávamos com cerca de 700. Houve mais que uma duplicação dos casos que se traduz também numa duplicação dos óbitos. Temos uma mortalidade que é baixa relativamente ao histórico da pandemia, na ordem dos 2% nesta faixa etária. Mas como temos muitos casos e, em particular, uma incidência nesta faixa etária que está nos níveis máximos para toda a pandemia.

No pico anterior que ocorreu no início de Fevereiro, tínhamos cerca de 1200 casos diários nesta faixa etária. Estando agora acima, isto dá origem a um aumento da mortalidade, embora não tenhamos chegado aos níveis de mortalidade que foram atingidos nessa altura. Isso é reflexo de alguma diminuição na taxa de letalidade. Temos ao dia de hoje mais casos, mas, apesar de tudo, em termos de óbitos não estamos exactamente com os níveis que tivemos no início do ano. O que não invalida que não seja significativo. Permanecemos, ao dia de hoje, com uma mortalidade acima do desejável.

A que se pode atribuir a diferença entre Fevereiro e o momento actual?
Há um motivo que terá sempre algum peso, que é o facto de nos estarmos a aproximar do Verão. Sabemos que os números da mortalidade no Inverno são sempre superiores, por isso pode ajudar a explicar. Como disse, estamos agora nos 47 óbitos por milhão de habitantes. Em Fevereiro chegamos aos 65, foi o pico ligeiramente superior.

Tudo isto é consequência de termos uma grande circulação do vírus. Estamos com cerca de 24.500 casos diários nos últimos sete dias. Houve uma descida nas últimas duas semanas, estivemos em 27.500, mas ainda é lenta, não é homogénea em todo o país. Já temos regiões onde se pode dizer que há uma descida consolidada, como o Norte, mas em Lisboa e Vale do Tejo isso ainda não acontece, por exemplo. Uma das diferenças que se nota em relação à vaga de Inverno é que temos proporcionalmente muito mais casos em idosos. Os casos abaixo dos 50 anos não chegam nem a 50% do que foi atingido nessa vaga. Nos mais velhos, estamos com números superiores.

Tal como disse Graça Freitas, estamos num planalto.
É isso, estamos num planalto ligeiramente inclinado para baixo. Não estamos com uma descida muito pronunciada. E claro, temos uma positividade elevada que sugere que temos muitos casos que não são detectados e contribuem certamente para a elevada circulação do vírus.

A vacinação de pessoas com 80 ou mais anos é suficiente para proteger este grupo mais vulnerável?
A vacinação dos idosos é muito importante. É uma das ferramentas que temos ao nosso dispor para contrariar a situação actual e havendo risco de a incidência se manter elevada nos próximos tempos. Apesar de estarmos nesta situação de planalto, há vários factores de risco ao longo deste mês.

As festas dos santos.
Estes eventos de massa são sempre um factor de risco. E vão ser muitos espalhados pelo país todo. O que daí resulta é um risco potencial de termos uma circulação do vírus ainda elevada que vai fazer com que ainda tenhamos muitos casos nos idosos e, consequentemente, mortalidade próxima dos níveis actuais. É esse o risco subjacente à situação actual. Havendo a vacinação dos idosos, isso poderá ajudar a protegê-los, em particular diminuir a mortalidade.

E justifica-se antecipar a vacinação da faixa etária seguinte, dos 70 aos 79 anos?
É uma questão técnica sobre a qual não gostaria de me pronunciar. Existem óbitos nessa faixa etária, mas não estamos a falar da mesma dimensão dos mais idosos. Na faixa etária dos 70 aos 79 anos, o número de óbitos é cinco vezes inferior ao da faixa de 80 ou mais anos. E estamos a falar de letalidades muito diferentes: próximo dos 2% nos 80 ou mais anos e de valores na ordem dos 0,2% nos 70 aos 79 anos. Dois ou três óbitos em mil casos neste grupo. O risco é substancialmente menor. Não quer dizer que não se justifique vaciná-los, mas em termos de impacto na mortalidade, aquilo que terá mais impacto é a vacinação do grupo mais velho.

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