A mulher calada e o homem fala-barato

Tinha casado com um fala-barato. Logo ao pequeno-almoço, o marido começava a contar episódios do trabalho ou a comentar as notícias que ouvia na rádio num volume considerável, não havia dúvidas de que ele gostava do barulho. Ao jantar, matraqueava-a com situações miudinhas sem fazer pausas. Tinha sempre algo a dizer, desde que abria os olhos até chegar ao final do dia e voltar a fechá-los.

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Os homens fala-barato deviam ser presos, e por muito tempo. Falam sobre coisas de nada, maltratam-lhe os ouvidos, ofendem-lhe os tímpanos e, em muitas situações, tiram-lhe horas e anos de vida. Também não duvida de que são perigosos porque falam sem pensar, e que devia ser reconhecida psicopatia aos indivíduos que fazem solilóquio por mais de 20 minutos seguidos.

Tinha casado com um fala-barato. Logo ao pequeno-almoço, o marido começava a contar episódios do trabalho ou a comentar as notícias que ouvia na rádio num volume considerável, não havia dúvidas de que ele gostava do barulho. Ao jantar, matraqueava-a com situações miudinhas sem fazer pausas. Tinha sempre algo a dizer, desde que abria os olhos até chegar ao final do dia e voltar a fechá-los. Mesmo durante o sexo não conseguia conter a verborreia e comentava inúmeras situações. Aquilo que poderia até ser excitante, transformava-se numa espécie de relato futebolístico entre lençóis; um pesadelo.

Durante o sono também dizia frases sem sentido. Às vezes gritava obscenidades e ria-se. Um concerto nocturno triste de se ouvir; felizmente não tinha de o ver, uma vez que dormiam com os estores sempre corridos. Foi enganada. Durante o ano de namoro, ele tinha-se mostrado tímido, um homem de poucas palavras e educado. Nunca pensou que mal a tivesse agarrado ao matrimónio, desataria os cordões à boca para não mais tornar a fechá-la. Neste momento, em que estão prestes a completar seis meses de casamento, ela já não tem dó, piedade ou dúvidas em dizer que devia ser detido, morto, ou pelo menos que devia ter coragem para expulsá-lo do apartamento. Faz mais barulho do que 15 crianças numa festa de trampolins e ainda nem sequer têm filhos. Não vai ter filhos de um fala-barato daqueles.

A ideia é apresentar os papéis do divórcio em silêncio. Deixá-lo a tagarelar com os advogados e continuar a ser a mulher calada que sempre foi. Já só consegue pensar no alívio que será chegar a casa e não ouvir aquela voz exasperante e esganiçada. De tanto falar nem respira bem. E ela só de ouvir desenvolveu taquicardia. O divórcio é a solução, sim, até pelo bem da sua saúde cardíaca. Juntar uma mulher calada com um homem fala-barato podia ter sido uma excelente combinação, aquela história dos contrários que se atraem, como na física. Mas a ciência, os provérbios e o casamento, tudo aquilo que diz respeitos aos homens e às mulheres, são coisas falíveis. Tinha os papéis para o divórcio prontos para assinar em cima da bancada da cozinha - tinha visto num filme que era assim que devia fazer: na cozinha, o local mais emocionalmente inócuo da casa. Sabia que o ia magoar, mas a vida é assim. Ninguém deve é viver contrariado por ter medo de decepcionar aqueles que lhe são próximos.

Ouviu a porta de casa abrir e fechar. Intrigou-a não escutar aquela voz abominável que tão bem conhecia; assim que trespassava a entrada da casa, o seu marido logo tagarelava alto. Estivesse bem ou maldisposto, nunca lhe faltava energia para verbalizar aquilo que lhe ia na cachimónia. Não o ouviu e estranhou. Até que o viu entrar transtornado e em silêncio na cozinha. Não fazia ideia do que lhe tinha acontecido mas parecia grave. A expressão anunciava a morte de algum parente ou alguma tragédia de intransmissível partilha. A mulher calada não teve coragem de perguntar. Ficou a vê-lo sentar-se à mesa da cozinha, derrotado e em silêncio. E, pela primeira vez, sentiu amor pelo seu marido.

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