Emissário de Khamenei silenciado por manifestantes após colapso de edifício que matou 32 pessoas

Membros de tribos árabes, minoria que se concentra no Sudeste do Irão, já participaram nos protestos, que se alargam a outras cidades. Polícia ataca manifestantes.

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O desabamento em Abadan aconteceu no dia 23 de Maio Reuters/WANA NEWS AGENCY

Os protestos duram há dias e não têm parado de crescer. O colapso parcial do edifício Metropol, dez andares ainda em construção no centro da cidade de Abadan, na província do Khuzistão, Sudeste do Irão, já foi há uma semana, mas o número final de mortos continua a subir: com a descoberta de mais dois corpos, esta segunda-feira, são já 32 as vítimas. Os manifestantes, incluindo familiares dos mortos, responsabilizam directamente o Governo e a corrupção do regime pelo desastre.

A raiva não poupou o enviado do Guia Supremo, ayatollah Ali Khamenei, que tentou sem sucesso dirigir-se à multidão no domingo à noite. Impedido de avançar depois de ter tentado falar pela primeira vez, o ayatollah Mohsen Heidari Alekasir, natural do Khuzistão, ainda disse: “Meus queridos, por favor acalmem-se, em sinal de respeito a Abadan, aos seus mártires e vítimas que toda a nação iraniana chora”. Mas foi de imediato silenciado pelos que gritavam “desavergonhado”. Nesta altura, o directo da televisão estatal foi cortado; quanto a emissão retomou, os manifestantes gritavam “Vou matar, vou matar aqueles que mataram o meu irmão!”.

As autoridades já reconheceram que o proprietário do Metropol e o comportamento de funcionários públicos corruptos permitiram ignorar preocupações com a qualidade dos materiais e continuar com a construção, numa rua muito movimentada. Nos últimos dias, 13 pessoas foram detidas, incluindo o presidente da câmara de Abadan, cidade com 230 mil habitantes.

Para já, nada disso convenceu estas pessoas a deixar de protestar, apoiadas durante a semana passada por manifestações nocturnas noutras cidades do Khuzistão. Antes pelo contrário, durante o fim-de-semana, protestos em solidariedade com a população de Abadan realizaram-se ainda em várias cidades do Centro do país, como Isfaão, Yazd ou Shahin.

Os confrontos entre a polícia e os manifestantes também se multiplicam: depois de o ayatollah Alekasir ser forçado a abandonar o local do colapso, a polícia bateu em vários manifestantes e disparou gás lacrimogéneo (há relatos não confirmados de disparos de munições reais e ouvem-se tiros em vários vídeos publicados nas redes sociais). De acordo com descrições em jornais iranianos e agências internacionais, a polícia mandou a multidão parar de entoar slogans contra a República Islâmica.

Se o número de vítimas continuar a aumentar – ou se houver manifestantes feridos – não é de excluir que estes protestos se alarguem a outras cidades (como já aconteceu no Irão, por diferentes pretextos). O desabamento do Metropol também chamou a atenção para a segurança de outros edifícios em todo o país. Um levantamento realizado em 2017 pelo departamento de serviços de emergência de Teerão descreveu 129 arranha-céus da capital como “inseguros”, um problema que o Procurador-geral iraniano, Mohammad Javaz Motazeri, promete agora resolver de imediato.

Os protestos em Abadan começaram de forma espontânea e, até ver, não parecem ter liderança, mas membros de tribos árabes da região “ter-se-ão unido aos manifestantes no domingo, aumentando o risco de intensificação da agitação social”, escreve a Associated Press, referindo vídeos divulgados nas redes sociais e o diário Hamshahri, que descreveu como duas tribos entraram na cidade para apoiar o protesto.

O Khuzistão, onde vive a maioria dos árabes do Irão, uma das minorias que o Estado tem sucessivamente marginalizado, é também a região com mais reservas petrolíferas do país. Grupos separatistas lançaram no passado ataques contra oleodutos e membros das forças de segurança.

Este foco de contestação surge numa altura em que o aumento do preço dos alimentos já desespera uma parte considerável da população. As condições económicas têm-se deteriorado nos últimos anos, exacerbadas pelas sanções norte-americanas no mandato de Donald Trump e pela pandemia de covid-19. Um novo acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano que permitiria pôr fim às sanções esteve perto de ser alcançado no final de Fevereiro, mas a decisão da Rússia de invadir a Ucrânia deixou as negociações num impasse.

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