No Giro, Almeida dobrou, mas ainda não partiu

No duelo entre quatro “galos” para três “poleiros”, Almeida foi o único que perdeu tempo, mas, pela forma como se correu esta etapa, o português poderia ter perdido bastante mais.

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João Almeida no Giro 2022 EPA/MAURIZIO BRAMBATTI

Há algumas coisas certas no ciclismo. Que se corre de bicicleta, que haverá bonitas paisagens e que João Almeida, por muito que “dobre”, demora a “partir”. Nesta terça-feira, na Volta a Itália, o português voltou a mostrar-se mais frágil do que os rivais na alta-montanha e a rolar na traseira do grupo principal, mas isso nunca o impediu de ter os adversários sempre à vista, fazendo a subida ao seu ritmo, em vez de ir ao choque com os ataques mais explosivos dos restantes trepadores. E esta forma de correr, sempre arriscada, está a tornar-se uma imagem de marca de Almeida (ver tweet em baixo), que segurou, para já, o lugar no pódio.

O vencedor da etapa 16 foi Jan Hirt (Wanty), fazendo vingar a fuga do dia, mas o mais relevante foi mesmo o duelo entre os favoritos ao triunfo no Giro. Almeida perdeu 12 segundos para Richard Carapaz, Jai Hindley e Mikel Landa – e mais tempo perdido nos próximos dias deverá mesmo hipotecar uma eventual vitória na corrida –, mas o que perdeu para o espanhol ainda não prejudica o objectivo principal que o português delineou: o de acabar no pódio.

No duelo entre quatro “galos” para três “poleiros”, o copo meio-vazio permite dizer que Almeida foi o único que perdeu tempo, mas o meio-cheio permite apontar que, pela forma como se correu esta etapa, o português poderia ter perdido bastante mais do que perdeu.

Neste momento, Carapaz segue de rosa, com três segundos de vantagem para Hindley e 44 para Almeida. Em quarto segue Landa, a 59, sabendo o espanhol que, em tese, precisa de ter pelo menos meio minuto de vantagem para Almeida antes do contra-relógio da última etapa.

Fuga numerosa

Esta era uma etapa que na gíria do ciclismo se define como passível de “abanar a árvore” e ver que “frutas maduras” iriam cair. Quer isto dizer que com três contagens de montanha de primeira categoria, uma das quais no mítico Mortirolo, era um dia de dureza brutal e que os ciclistas menos bem preparados – as “frutas maduras” – cairiam da luta pelo triunfo final.

A etapa começou com uma fuga de mais de 20 ciclistas e desse lote acabou por haver divisões. A 50 quilómetros da meta, o estado da corrida era um grupo de meia dúzia na frente: Wout Poels, Lennard Kamna, Alejandro Valverde, Jan Hirt, Hugh Carthy e Thymen Arensman.

Seguia depois um grupo de perseguidores com nomes de respeito como Giulio Ciccone, Guillaume Martin, Wilco Kelderman e Simon Yates, à frente de um pelotão que rolava a cerca de cinco minutos da frente e tinha todos os que era suposto ter: Richard Carapaz, Mikel Landa, Pello Bilbao, Emanuel Buchmann, Jai Hindley e João Almeida, mais alguns ciclistas no apoio aos seus líderes – Davide Formolo ainda seguia junto do português.

Até à subida final ao Valico di Santa Cristina foi, apesar destas movimentações, uma etapa globalmente aborrecida e sem qualquer animação entre os principais favoritos ao triunfo no Giro.

À entrada para a escalada final Kamna atacou entre os fugitivos, seguindo isolado dos companheiros de fuga, e com três minutos de vantagem para um pelotão onde João Almeida entrava na sua corrida habitual.

Sempre na arriscada posição na parte traseira do grupo, o português, que já não tinha Formolo consigo, ia vendo cair os mais débeis. Um após outro, alguns iam ficando “a pé”, mas quem lá ficava sempre, apesar de parecer em dificuldades, era Almeida.

Com quatro ciclistas da Bahrain e três da INEOS, Almeida e Hindley, segundo e terceiro classificados, estavam por sua conta – no caso de Hindley, com o detalhe curioso de ter Kamna na frente da corrida, quando o alemão, que até já ganhou neste Giro, seria muito útil na ajuda ao vice-líder da geral.

Queda de Bilbao

A dez quilómetros da meta, Almeida procurava chegar-se mais à frente no grupo, mostrando alguma frescura, mas Bilbao caiu mesmo à frente do português, algo que tirou ali algum ímpeto ao ciclista das Caldas, obrigando-o até a fechar o espaço para os rivais.

E foi pouco depois disso que Landa, Carapaz e Hindley descolaram dos restantes, incluindo Almeida. E chegávamos à fase em que Almeida, com a companhia de Nibali, colocaria nos pedais o seu próprio ritmo, fazendo a subida com tranquilidade, sem ir ao choque.

Na frente, Kamna tirou mal as medidas aos rivais e deixou-se apanhar por Arensman e Hirt. E não só não conseguiu vencer a etapa como gastou o “combustível” que poderia ser útil para ajudar Hindley mais atrás.

E o australiano, assim que sentiu Almeida a recolar, atacou no grupo. O português nunca mais os apanhou, mas teve-os sempre na linha de visão, aplicando a já célebre subida a ritmo – algo que já se torna imagem de marca.

Na frente, foi Hirt o mais forte. Atrás, foi Hindley quem foi buscar mais bonificações entre os favoritos. Houve algumas mexidas residuais nas diferenças de tempo, mas, nas posições na classificação, nada mudou.

Para esta quarta-feira está marcada mais uma etapa de montanha, com duas subidas de primeira categoria, antes de um final mais suave.

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