Fundação para a Ciência e a Tecnologia: é só festa, é só festa!

Tenho pena que nestes festejos dos 25 anos da FCT não se celebre também a alteração ao Orçamento do Estado de 2022, reforçando o financiamento da FCT, colmatando pelo menos o corte de 22 milhões de euros na sua rubrica do emprego científico.

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Nelson Garrido

"Por vezes os limites estão connosco e não nos instrumentos que nós temos à nossa disposição.”
Elvira Fortunato

Realizou-se no Centro de Congressos de Lisboa, de 16 a 18 de Maio, o encontro anual da ciência, tecnologia e inovação em Portugal: Encontro Ciência ’22. Um encontro que sempre teve um carácter muito mais político e propagandista do que científico. Porém, este ano, o encontro iniciou-se com uma espectacular performance no arranque do Got Talent FCT, inspirada em José Cid, levada a cabo por um excelente grupo de artistas, diga-se, mas que não conseguiu que nem Helena Pereira, da FCT, nem Rosalia Vargas, do Ciência Viva, carregassem no botão dourado, passando-os à final e enchendo a sala de confetes. O vídeo da canção Só mesmo a FCT fez furor nas redes sociais. Já há uma versão ABIC e tudo! E correm rumores que vários cantores vão concorrer a bolsas da FCT para poderem participar na edição de 2023.

Tenho pena que nestes festejos dos 25 anos da FCT não se celebre também a alteração ao Orçamento do Estado de 2022, reforçando o financiamento da FCT, colmatando pelo menos o corte de 22 milhões de euros na sua rubrica do emprego científico; nem a criação de um programa de integração dos investigadores nas carreiras, acabando de vez com a “carreira paralela” dos contratos a termo; nem a revogação do Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI), novamente alterado, pela 5.ª vez, pretendendo agora, por decreto, fingir que as bolsas de investigação são atribuídas apenas e só para formação; nem a substituição de todas as bolsas por contratos de trabalho, incluindo as centenas de bolsas de pós-doutoramento que ainda existem; nem a reposição dos subsídios anuais para participação em eventos científicos; nem a isenção de propinas e taxas para bolseiros inscritos nos diplomas e graus que estão obrigados; nem a criação de uma carreira de técnico de apoio à investigação científica; nem a criação de categorias na Função Pública para doutorados e de mecanismos para a sua contratação; nem a contratação de doutorados nas empresas controladas pelo Estado, dando exemplo aos privados que sucessivos ministros tanto criticam por não contratarem; nem se celebre a tão aguardada apresentação da política para a ciência, tecnologia e ensino superior por parte da ministra Elvira Fortunato.

O país forma mais de 2000 doutorados por ano, mas os contratos a prazo para novos investigadores doutorados não excedem os 200 por ano e os contratos a prazo para investigadores mais seniores não excedem também os 200 por ano. Isto em concursos com taxas de sucesso a rondar os 10%. A estes somam-se, segundo o ex-ministro Manuel Heitor, cerca de 13000 bolseiros doutorados e não doutorados. Segundo os dados do Observatório do Emprego Científico e Docente (OECD), que agrega as contratações realizadas em Portugal desde 2017, o país contratou permanentemente cerca de 200 investigadores de carreira e 3600 investigadores a termo. Destes, iremos perder 1000 até 2023, e depois mais 1000 até 2024. Aparentemente, nada que preocupe em demasia a nova ministra, que se mantém fiel à narrativa de que a precariedade na ciência não é um problema.

Sou fã do Princípio de Pareto que afirma que 80% dos efeitos advêm de apenas 20% das causas. Contudo, não o podemos dividir por dois e extrapolar que 40% de todo o trabalho científico poderá ser feito contratando a prazo, sublinhe-se, apenas 10% dos investigadores. Podemos até acreditar que no futuro todo o trabalho poderá ser feito por um só investigador, mas o método científico não é sensível à crença.

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