Em Bucha, uma mulher pinta flores nos buracos de bala para ajudar a Ucrânia a “florescer”

Armada com cinco latas de tinta e dois pincéis, Ivanka Siolkowsky afirma que o seu dever é “trazer imagens de alegria de volta para esta cidade”.

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Ivanka Siolkowsky A canadiana pinta flores nos buracos de bala em Bucha

Quando Ivanka Siolkowsky chegou a Bucha, o devastado subúrbio da capital ucraniana, para fazer voluntariado, conheceu um homem que lhe contou que tinha perdido tudo com a invasão russa. O filho fora assassinado. A casa bombardeada e incendiada. “Não há nenhuma alegria nesta cidade para mim”, disse-lhe o homem, conhecido por Sasha.

Mesmo que as tropas russas já não estejam a ocupar Bucha, onde foram descobertas cenas brutais de massacres de civis, Sacha relatou à canadiana que as ruas do seu querido bairro não pareciam as mesmas. “Os buracos de bala no meu portão recordam-me de tudo o que eu perdi”, disse.

“Foi aí que tive a ideia de pintar o portão”, contou Siolkowsky, de 39 anos, ao jornal The Washington Post por email, na terça-feira. “As palavras dele partiram-me o coração”.

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Ivanka Siolkowsky

Descendente de ucranianos, Siolkowsky, que primeiro esteve na Polónia a ajudar os refugiados que fugiam pela fronteira, perguntou a Sasha qual era a sua flor favorita. Ele respondeu que, tal como o falecido filho, adorava narcisos. E apontou para o chão onde narcisos amarelos cresciam: pequenos sinais de vida junto a cinzas da guerra.

Armada com cinco latas de tinta e dois pincéis, Siolkowsky começou a pintar o portão de Sasha para transformar os buracos de bala em flores. “Para continuar com o trabalho que a natureza começou.”

No início, preocupava-se com a possibilidade de as pessoas não apreciarem a sua arte ou que pudessem achá-la ofensiva.

A retirada das forças russas pôs a descoberto muitos dos horrores ocorridos durante os 27 dias do controlo cenas em que as tropas decapitaram, queimaram, abusaram sexualmente e abriram fogo contra civis, como noticiou o The Washington Post. Mais de 200 corpos foram descobertos em valas comuns, enquanto outros foram abandonados nas ruas. Os sinais de atrocidades levaram o presidente Joe Biden a descrever o presidente russo Vladimir Putin como “criminoso de guerra”.

“Eu tinha medo sempre que alguém caminhava até mim”, confessou Siolkowsky.

Mas enquanto pintava, ganhou espectadores – e alguns ajudantes. Do outro lado da rua, uma menina de 4 anos chamada Anya também a observava da janela e perguntou à mãe se poderia sair para lhe dizer olá.

“Eu dei-lhe um pincel, e ela ajudou com algumas flores”, disse. “Quando os vizinhos viram Anya a ajudar, as pessoas começaram a pedir para que eu pintasse os seus portões também.”

Siolkowsky fez flores em mais cinco casas. Pintou os portões baleados – às vezes com a ajuda da sua pequena aprendiz.

Juntas, fizeram longos narcisos e margaridas, papoilas vermelhas e humildes malmequeres. Também pintaram vibrantes girassóis amarelos – a flor nacional da Ucrânia – que se tornou o símbolo global da resistência e esperança desde que as tropas russas invadiram no final de Fevereiro.

Câmara municipal de Bucha
Câmara de municipal de Bucha
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Câmara municipal de Bucha

“Realmente deveria ter tirado uma foto ou algo para ter como referência, já que as primeiras flores que pintei não pareciam nada narcisos”, reconheceu. “Mas eu melhorei a cada buraco de bala – e havia muitos.”

Siolkowsky explicou que seus avós maternos e paternos eram ucranianos – e foram as suas raízes ucranianas que despertaram a decisão de visitar o país a meio do um conflito. “Era um dever meu vir e ajudar as pessoas”, reiterou.

Siolkowsky esteve na Polónia mais de duas semanas depois de a guerra começar para ajudar com a evacuação. Entrou e saiu da Ucrânia para ajudar menores desacompanhados a atravessar a fronteira com segurança antes de apanhar uma pneumonia depois de dormir em carros ao frio. Regressou a casa para recuperar, mas decidiu voltar para a Ucrânia e apresentou-se como voluntária nas cidades. Enquanto estivesse em Bucha, o plano era “prestar auxílio e seguir em frente”. Mas aí ela conheceu Sasha.

O trabalho de Siolkowsky também ganhou seguidores nas redes sociais.

“Mais um dia a eliminar #bulletsofbucha​ ("balas de Bucha”, em português) e a transformá-las em flores”, Siolkowsky escreveu no Twitter no fim-de-semana, juntamente com uma imagem do seu último trabalho.

“Isso é lindo,” lê-se num dos muitos elogios publicados no Twitter. “Obrigado por ajudar este sítio a curar, um portão por vez.”

No Facebook, a organização de escuteiros ucraniana agradeceu-lhe por ajudar o país a “florescer” no meio aos bombardeamentos russos nas principais cidades.

Siolkowsky, que é consultora de produtividade e faz arte como hobby, afirma: “Isto nunca foi sobre criar obras de arte. É sobre trazer imagens de alegria de volta para esta cidade.”

Mas Siolkowsky diz que tem de voltar muito em breve a casa para Toronto para trabalhar. Mas planeia regressar à Ucrânia no Verão, embora não esteja certa se ainda estará a pintar flores.

“A minha esperança é que aquelas pessoas em todas as cidades anteriormente ocupadas pintem flores em seus portões”, disse. Já viu flores pintadas a surgir noutros locais. “As pessoas querem superar a dor e estão a fazer o que for preciso.”

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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