O papel das artes na integração dos refugiados ucranianos

A arte, tal como a educação, é uma ferramenta poderosa e maleável que, conforme a sua utilização, pode ser bastante benéfica para as comunidades afetadas pela guerra.

Nos últimos meses os portugueses voltaram a mostrar a fibra de que são feitos ao mobilizarem-se massivamente para ajudar a população ucraniana a fugir do conflito que se vive no seu território. Multiplicaram-se desde o primeiro momento as iniciativas de ajuda humanitária, seja com a criação de caravanas que se deslocaram até às fronteiras para apoiar no terreno, seja através de doações enviadas via ONG ou empresas que se mobilizaram a título individual e coletivo para fazer chegar bens essenciais onde eram mais necessários. Num segundo momento, municípios e pessoas individuais disponibilizaram-se para receber aqueles que se viram forçados a sair das suas casas apenas com o indispensável e a esperança de uma vida mais segura às costas.

É claro para todos que estas ajudas são essenciais para responder, numa primeira instância, a uma situação de catástrofe ou conflito, mas há muito mais que pode ser feito e, sem que o imaginemos no imediato, contribuir de forma fundamental para aliviar o sofrimento daqueles que se viram surpreendidos pelo terror. Se pensarmos no conceito de ação humanitária de forma lata – definido como a preservação da vida com dignidade, sem discriminação e através de meios pacíficos, encontramos uma forma natural de aqui incluir a arte e a expressão artística. Como? Pode não ser uma associação simples e imediata e, infelizmente, é a última coisa que passa pela cabeça de cada um na procura por formas de ajudar quando nos deparamos com uma emergência humanitária. Mas a arte, tal como a educação, é uma ferramenta poderosa e maleável que, conforme a sua utilização, pode ser bastante benéfica para as comunidades afetadas pela guerra. De forma mais prática, quando utilizada na prestação de apoio psicossocial, num local seguro, a arte pode proporcionar às crianças uma forma de fuga ao mundo exterior através da imaginação, restaurando uma sensação de normalidade, permitindo a criação de obras de arte das quais se possam orgulhar e que lhes transmitam uma sensação de realização social.

A arte é também utilizada nas áreas da psicologia e da arteterapia, facilitando a relação entre os profissionais e os indivíduos afetados, como mecanismo de narração de traumas e expressão dos sentimentos, algo que pode ser ainda mais difícil nestas situações. As atividades artísticas são uma relevante forma de ajuda para ultrapassar experiências traumáticas através do aumento da sua autoestima, da melhoria da confiança nos outros, na concretização de relações sociais e na potenciação do espírito de colaboração. Além disso, pode ajudar a lidar com conflitos internos, a superar experiências violentas e a criar memórias positivas.

Ao não ter um idioma, a arte pode também ser um importante veículo de integração numa nova cultura, situação em que se encontram muitas crianças e adultos ucranianos neste momento em Portugal. Através de workshops artísticos e multilingues de introdução à escolaridade ou que explorem a narrativa artística, com atividades de produção artística criativas e lúdicas, conseguimos atingir um duplo efeito. Por um lado, apoiamos a integração numa nova comunidade ainda desconhecida, e por outro fazemo-lo promovendo a abstração da realidade traumática que acabaram de vivenciar, e na qual, de certa forma, ainda se encontram.

Pode parecer simples, posto assim, mas ainda existe um grande desafio a ultrapassar para que isto possa ser posto em prática um pouco por todo o lado num contexto como o atual: combater o desconhecimento em relação à arte como forma de ação humanitária. Para isso, existem ferramentas úteis ao dispor dos cidadãos, como é o caso do curso gratuito e online “Arts, Armed Conflict and Humanitarian Aid”, promovido pela APECV e disponível na Plataforma NAU. Esta é não só uma forma de entender melhor o que é uma emergência humanitária e as diferentes formas como pode ser abordada, mas também de compreender o papel das artes, das práticas artísticas e da educação num momento de conflito armado a nível internacional e de ação humanitária de emergência. Há ainda muito que pode e tem de ser feito para responder a esta crise que nos atingiu a todos de diferentes formas. E o conhecimento é, como sempre, uma arma fulcral que todos podemos utilizar.

As autoras escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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