É possível quantificar a dor da guerra? “Há motivos para questionar os números de todas as fontes oficiais”

A instrumentalização de baixas civis, durante conflitos armados, é um problema “tão velho quanto a própria guerra”. “Creio que as forças militares russas não estão, surpreendentemente, preocupadas em esconder as atrocidades que cometeram”, defende, em entrevista ao PÚBLICO, o investigador e docente na Universidade de Pittsburgh, Taylor B. Seybolt.

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A 2 de Março, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos divulgou o segundo balanço oficial de baixas civis na Ucrânia, desde o início da invasão russa, a 24 de Fevereiro. Ao quinto dia de guerra, a ONU contabilizava 227 mortes de civis, das quais 15 eram crianças. No documento lia-se a mensagem: “números reais são muito superiores”.

A informação sobre o total de mortes civis no país tem variado, drasticamente, entre fontes. Os dados das autarquias são mais elevados do que os valores agregados do Governo ucraniano, que por sua vez são inferiores aos divulgados pelas Nações Unidas. A Rússia, por outro lado, acusa a Ucrânia de encenar mortes e insiste em negar qualquer envolvimento no assassinato de civis, no país vizinho. Mas afinal, porque diferem tanto os números e em quem devemos acreditar?

“Se alguém afirmar que sabe o número exacto de pessoas que morreram num conflito, está a mentir ou foi enganado”, alerta Jay D. Aronson, diretor do Centro de Ciência e Direitos Humanos da Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos. 

Para o investigador, que co-editou com Baruch Fischhoff e Taylor B. Seybolt o livro “Contar baixas civis”, tão importante quanto reconhecer a importância da contabilização das mortes que resultam de uma guerra, é a noção de que os números são actualizados e isso não é, necessariamente, um sinal de incorrecção.

“As pessoas ficam afeiçoadas a números. Vimo-lo acontecer no caso da Guerra da Bósnia. Torna-se parte da identidade histórica de uma sociedade e é difícil, depois, aceitar um número diferente, que representa a realidade, de certa forma”, defende, em entrevista ao PÚBLICO, investigadora no centro de estudos políticos da Universidade de Michigan e especialista em análise de dados na área de direitos humanos, Jule Krüger.

Uma tese partilhada por Taylor B. Seybolt, que aponta o frequente reconhecimento pleno dos números partilhados pelo Governo ucraniano. “Há uma grande diferença entre os dados divulgados pelas vítimas e por aqueles que as representam, e os números divulgados pelos agressores que iniciaram o conflito. As pessoas têm uma maior tendência para empatizar com as vítimas e, por isso, não questionar esses números, apesar desse grupo de vítimas ter interesses próprios. Temos que perceber, que há motivos para questionar os números de todas as fontes oficiais”, diz.