Saúde mental - novos desafios éticos

Visitar alguns dos nossos lares, dos mais humildes aos mais luxuosos, é um quase regresso aos hospícios.

A Ética é a ciência dos comportamentos. Os comportamentos individuais ou coletivos têm reflexos importantes na condição humana que, por sua vez, está ligada de forma indelével à vulnerabilidade que reside em cada um. O humano é talvez o ser vivo mais vulnerável, especialmente quando nasce, se encontra doente ou envelhece. A nossa interdependência assenta numa sociedade solidária, sendo a família o seu principal instrumento.

A evolução social, o processo de envelhecimento individual e da sociedade, a disrupção nos elos familiares, a solidão, as novas doenças, em especial a covid-19, as incertezas económicas e, agora, o eclodir de novas guerras e conflitos, constituem uma agressão permanente à resistência psicológica dos indivíduos - em especial dos mais vulneráveis.

Numa sociedade de comunicação imediatista, especulativa e exploradora de emoções, verdadeira fábrica de medos, está-se a distorcer a visão do mundo, limitando-se horizontes e tornando natural uma espera constante da morte ou de algum holocausto.

Transmite-se a imagem de uma sociedade em que até a estatística da morte é estratificada pela idade - como se umas vidas valessem menos que outras. Os boletins da DGS referentes à covid são um exemplo eloquente. Revelam um sentimento de “idadismo” em que os velhos são os candidatos naturais à morte e até podem representar um fardo social.

Mais recentemente, o massacrar exclusivista das imagens televisivas ou das redes sociais em relação à guerra e à destruição geram sentimentos antagónicos: uns de repulsa pela ignomínia e agressão; outros, de ansiedade, medo e depressão, mas todos condicionantes da saúde mental, em especial nos mais sensíveis.

Uma boa saúde mental é condição essencial que permite aos indivíduos poderem levar uma vida sã e com significado social. Tal só pode ser gerado num ambiente de liberdade. Gerar medos não respeita a ética no dever de informar, tornando os fracos mais fracos e os fortes ainda mais fortes.

Tem havido uma degradação rápida da saúde mental dos portugueses, pela convergência de vários fatores, sendo o envelhecimento, as disfunções sociais, o abandono e falta de implementação de uma política de saúde mental a que se vieram somar as distopias comunicacionais, os mais relevantes.

Segundo dados da OCDE (relatório de 2019), Portugal, sendo dos países mais envelhecidos, é dos que tem piores políticas de apoio. Aliado à excessiva internalização dos idosos, há uma deficiente oferta qualitativa e quantitativa de recursos técnicos e humanos para uma correta assistência aos idosos. Daí o risco de demência ser o maior entre todos os países da OCDE citados.

Visitar alguns dos nossos lares, dos mais humildes aos mais luxuosos, é um quase regresso aos hospícios e faz-nos temer que o respeito pelos princípios das Nações Unidas para os mais velhos (Participação, Independência, Dignidade e Auto–realização) não constituam prática generalizada e que a ética social não exista.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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