Converter o Estado dos problemas numa Política de soluções

A mudança que importa fazer em Portugal depende, hoje, de três condições, semelhantes às da realização de um filme: um guião, um protagonista e uma boa montagem.

A “lição” da guerra teve um efeito de aceleração de grande parte das nossas “agendas” de desenvolvimento, tornando-as mais imperativas e urgentes. São os casos da soberania energética e da descarbonização, da sustentabilidade alimentar, das adaptações às alterações climáticas e das políticas regionais de inovação e gestão de recursos naturais. Aumentou assim a consciência sobre a necessidade de uma governação com especial sentido estratégico - comprometida com as políticas europeias - e de conduzir, em tempo e qualidade, as suas reformas. Que saiba praticar uma descentralização efetiva, confiando à sua administração regional, intermunicipal ou municipal o que melhor pode ser decidido a esses níveis, com menos tempo e custos, e não confunda “a beira da estrada com a Estrada da Beira”. Uma governação que desenvolva um Estado de confiança e de proximidade, por vez de um Estado desconfiado e distante: fortificado no funcionalismo da capital e fantasmático no “país real”.

Neste tempo, não será tolerada, nem por graça, a provocação de Groucho Marx: “a política é a arte de procurar problemas, encontrá-los em todos os lados, diagnosticá-los incorretamente e aplicar as piores soluções.” Se o mundo mudou, Portugal também.

Portugal vive condições históricas no financiamento ao seu desenvolvimento. Somando os fundos em execução do atual Portugal 2020 aos do PRR e do futuro Portugal 2030, o País beneficiará de quase 60 mil milhões de euros. Converter este potencial em ato implica dois requisitos indispensáveis: garantir uma coordenação política forte e competente no seio da governação; e implementar um modelo de gestão e coordenação de serviços públicos que “cosa” e dê sentido às diferentes intervenções, nos diferentes territórios. O Estado não pode ser uma manta de retalhos nem estes fundos “gavetas” descoordenadas de financiamento. As políticas reclamam hoje mais interdependência – as qualificações com a economia e a inovação; a indústria com a energia e o ambiente; a agricultura com a água; os fogos florestais com a coesão territorial, só para dar alguns exemplos – e uma aplicação diferenciada aos diversos territórios. O Norte não é o Alentejo, nem o Alto Minho a Serra da Estrela. O duradouro divórcio entre os fundos da Política Agrícola Comum e os fundos estruturais é incompreensível, como será a desarticulação entre o PRR e o futuro Portugal 2030.

A mudança que importa fazer em Portugal depende, hoje, de três condições, semelhantes às da realização de um filme: um guião, um protagonista e uma boa montagem.

O guião corresponde a uma orgânica de Governo que consagre uma integração das pastas do Planeamento, Coesão Territorial, Fundos Europeus, Descentralização e Poder Local; o protagonista deve ter “peso” e experiência política, capacidade de coordenação interministerial e disponibilidade de escuta dos atores; a montagem passa pelo avanço esclarecido da regionalização, sufragado nas eleições legislativas, segundo o mapa das cinco regiões-plano do continente, enquanto pilar da modernização e reorganização territorial do Estado. A nova orgânica das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), procedendo a uma integração de serviços desconcentrados do Estado (em áreas como a Cultura, Educação, Saúde, Ambiente ou Turismo) é a sua necessária prequela.

Só a força do “guião” governativo e um “casting” conseguido poderão quebrar os bloqueios do “difícil” diálogo entre “tutelas” e “direções gerais”, acelerando o encontro, de todo o país, com o futuro através da bem-sucedida aplicação dos fundos europeus, superando o desejado salto em frente na coesão e na competitividade de Portugal.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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