Com esta luva portuguesa, quem não tem força na mão pode levantar objectos até 40 quilos

A start-up portuguesa Nuada desenvolveu uma luva para pessoas que tenham “falta de força ou dor na mão”. Os sistemas do exoesqueleto apoiam o utilizador e ficam a “segurar os objectos, em vez de ser a própria pessoa”. Já está a ser comercializada.

Há alguns anos, Filipe Quinaz, director executivo da start-up portuguesa Nuada, partiu o escafóide (um osso da mão) do pulso esquerdo​. Por causa do “processo normal de reabilitação”, teve de ficar “em repouso” e sofreu uma “perda significativa de massa muscular”, deixando de poder fazer “actividades normais”, como pegar numa caneca. “Se pensarmos em fazer as coisas com uma única mão, coisas tão básicas como comer a sopa tornam-se complicadas”, afirma ao P3.

Dessa lesão surgiu a ideia de criar uma luva que lhe permitisse pegar em objectos com a mão relaxada, que entretanto viu a luz do dia. Na altura, ao conversar com a avó, percebeu também que o “problemanão era só seu: a sarcopenia, a “perda significativa da massa muscular ao longo da idade”, acontece a toda a gente. Isso só o incentivou a seguir em frente com o projecto, que não só o iria ajudar, como também a todos aqueles que vão perdendo força e mobilidade nas mãos devido ao envelhecimento ou a patologias, como artrites.

Assim, em 2015, Filipe Quinaz, juntamente com Vítor Crespo, actual director de vendas da empresa, fundou a Nuada, integrada no Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto (UPTec) e pertencente ao grupo de empresas Help Tech Lisboa. A luva inteligente, que teve a sua primeira demonstração em 2017 e começou a ser comercializada em 2021, destina-se a qualquer pessoa que tenha “falta de força ou dor na mão”, quer seja sintoma de uma “panóplia de patologias” – como artrites, acidentes cardiovasculares (AVC), entre outras –, quer seja consequência de um acidente. Com ela, o utilizador consegue pegar em objectos com um peso até 40 quilos sem grande esforço e com a mão completamente relaxada.

Luva Nuada Teresa Pacheco Miranda
Luva Nuada Teresa Pacheco Miranda
Luva Nuada Teresa Pacheco Miranda
Luva Nuada Teresa Pacheco Miranda
Fotogaleria
Luva Nuada Teresa Pacheco Miranda

Dentro do sistema “complexo” da luva​

Apesar de o produto ter como principal alvo a área médica, Filipe Quinaz afirma que a luva pode ser utilizada por pessoas com “actividades profissionais exigentes”, pois o sistema “acaba por as proteger”. Para além disso, pode ser usada numa “lógica de prevenção” de lesões nas mãos, algo a que, diz, “todos estamos sujeitos”.

Utilizando “componentes mecânicos e eléctricos”, a luva tem, no seu interior, “sistemas que vão apoiar o utilizador e que ficam a segurar os objectos, em vez de ser a própria pessoa”. Desta forma, o exoesqueleto electrónico consegue adaptar-se “completamente à mão do utilizador e a todo o tipo de objectos”.

Mas como é que isto é possível? A luva apresenta sensores (que, caso o sistema esteja em modo automático, pressentem, quando nos aproximamos de um objecto e queremos agarrá-lo) e tendões artificiais, que são controlados por uma espécie de pulseira. Embora seja um sistema “complexo”, que mistura “muitas áreas de conhecimento científico"​, o fundador da Nuada admite que a complexidade da luva acaba por estar “bem implementada pelo facto de o sistema parecer simples”.

De acordo com Fernando Nogueira, director de tecnologia da Nuada, o processo de produção do exoesqueleto “envolve muitas áreas”, desde a engenharia têxtil até à engenharia mecânica e electrónica. Assim, é necessário dividir o trabalho em “grupos separados”, visto que, se fizessem “o processo em sequência, seria muito mais moroso”. O grupo que tem a seu cargo o hardware e a electrónica encontra-se nas instalações de Aveiro da Nuada. Lá dentro, máquinas barulhentas produzem as “peças de grande precisão” da luva.

Tudo começa com a forma das peças. Algumas não conseguem ser feitas apenas por fresagem (processo que, através de uma ferramenta rotativa, permite cortar uma determinada forma num metal ou material semelhante). Assim, é necessário passarem por uma máquina de electroerosão, que, graças a um “processo electrónico”, consegue cortar a forma das peças no metal “exactamente como ela é, diz Fernando Nogueira. Para além disso, existem “máquinas de apoio para fazerem furos” mais meticulosos nas peças. Depois, pequenas letras e números são gravados com as máquinas de gravação, que funcionam a uma “rotação elevada”. De acordo com Filipe Nogueira, normalmente “são feitas várias [luvas], porque [o processo de] peça a peça demora dias ou semanas”, tentando-se “optimizar” ao máximo o trabalho.

Uma das muitas peças da luva Nuada Teresa Pacheco Miranda
Uma das muitas peças da luva Nuada Teresa Pacheco Miranda
Uma das muitas peças da luva Nuada Teresa Pacheco Miranda
Fotogaleria
Uma das muitas peças da luva Nuada Teresa Pacheco Miranda

Depois de as formas estarem feitas, é a vez da impressão 3D. Com a impressora de extrusão, é possível “imprimir vários tipos de material”, como o nylon, material “mais flexível”, segundo Filipe Nogueira. Entretanto, através da sinterização de resina a laser numa outra máquina, criam-se materiais transparentes, como o favo de abelha, que o director de tecnologia considera “resistente” e “leve”. Já com a sinterização de pó (também a laser) consegue-se ter as “peças finais em plástico”. Por fim, é feita a montagem electrónica e mecânica. “Montando-se tudo, temos este produto”, afirma Filipe Nogueira.

Assim, termina o trabalho nas instalações em Aveiro, mas resta o desenvolvimento têxtil. Segundo Filipe Quinaz, algumas das actividades associadas a esta área estão a ser realizadas na Covilhã, numa parceria com a Universidade da Beira Interior, onde tirou o mestrado em Engenharia Informática e estava a tirar o doutoramento em Biomedicina, o qual teve de interromper devido à lesão que sofreu na mão.

O presente e o futuro da luva

As luvas da Nuada encontram-se em fase de pré-industrialização, o que significa que já “estão completamente preparadas para serem feitas com os materiais finais e com o processo final”, explica ao P3 Filipe Quinaz. A start-up portuguesa espera ter prontas as primeiras 500 unidades até ao final do ano.

Já à venda desde 2021, o produto custa 3500 euros, preço que inclui uma luva e “duas luvas extras”, estando os compradores envolvidos num “processo quase individualizado de suporte”. Contudo, Filipe Quinaz assegura que, “depois deste processo [pré-industrial], a luva ficará mais barata”.

Apesar de ser uma empresa portuguesa, para o fundador da Nuada o mercado nacional não é o alvo preferencial. “Interessam-nos mercados onde os sistemas nacionais de saúde estão mais desenvolvidos e a capacidade financeira e individual está também ela mais desenvolvida”, conclui. Para já, qualquer pessoa pode experimentar a luva gratuitamente no Hospital da Luz, localizado em Lisboa, tendo de preencher um formulário online.

Texto editado por Amanda Ribeiro

Foto
Filipe Quinaz, Director Executivo da Nuada, com a luva Teresa Pacheco Miranda
Sugerir correcção
Comentar