Afirmação da diversidade

O princípio da diversidade nas suas múltiplas formas (género, raça, credo, etc.) é substancialmente irrefutável, mas tem sido frequentemente interpretado como justificação para imposição de quotas e outras formas de discriminação.

Foto
Unsplash

Em 1972, o psicólogo John Money publicou o livro Man & Woman, Boy & Girl, no qual defendia a neutralidade de género, no sentido em que seria possível transformar o género a partir de uma educação adequada. E exemplifica com o caso de feminização imposto a David Reimer, uma das mais cruéis prescrições da história da psicologia. Os problemas de David começaram aos sete meses, na sequência de complicações após uma circuncisão, que resultaram na sua castração. Os pais de David consultaram o Dr. Money, que sugeriu a educação de David como uma menina, com uma rotina de feminização. Infelizmente, David e seu irmão gémeo constituíam o par perfeito para validar as conjecturas de Money sobre a possibilidade de “redesignação sexual”. Partilhando os mesmos genes e o mesmo ambiente familiar, os gémeos eram as cobaias ideais para as pesquisas de Money. O desfecho foi trágico: sequelas irremediáveis, uma vida de constante inadaptação, culminando com o suicídio de David aos 38 anos.

Este caso extinguiu a visão simplista de Money e aboliu a prática de cirurgia de mudança sexual aplicada a crianças. Considera-se, actualmente, que a parte biológica pode contribuir para identificação sexual, mas sabe-se também que as componentes psicológica e social são igualmente importantes na trilogia sexo, género e orientação sexual.

Numa altura em que a igualdade de género tem sido um tema dominante, a história de David Reimer avisa que a simplificação abusiva de temas tão complexos pode levar a resultados perversos. A igualdade de género, bem como muitas das medidas na sua promoção, nem sempre são bem explicadas e quase sempre mal compreendidas.

Um dos equívocos mais comuns é o pressuposto de igualdade absoluta, confundindo-se o princípio da não-discriminação com a imposição de empate no resultado. Considera-se que o género não influencia qualquer tipo de diferenças ou preferências, apesar das evidências diárias da vida em sociedade. A maioria dos festivaleiros de heavy metal são homens; a maioria da audiência dos espectáculos de dança são mulheres. A clientela dos hortos e floristas é sobretudo mulheres; no automobilismo são mais os homens. Na enfermagem, há muito mais mulheres; lixeiros e trolhas são quase exclusivamente homens. Mesmo entre cursos tecnológicos há diferenças: engenharia electrotécnica é tradicionalmente um curso com uma percentagem de mulheres muito inferior ao de engenharia química.

Alguns psicólogos (e.g. Jordan Petterson) defendem que estas diferenças são originadas por preferências diferentes: as mulheres seriam mais ligadas às pessoas e os homens mais aos gadgets. Isso explicaria por que, na sua maioria, os rapazes preferem carrinhos e as meninas as bonecas, e porque os cursos tecnológicos são mais preferidos por homens e os sociais ou humanidades por mulheres. Não se trata de etiquetar comportamentos ou preferências, mas simplesmente reconhecer que podem existir tendências específicas associadas ao género, eventualmente resultado de muitos séculos de evolução da espécie humana, em que o homem caçava e a mulher cuidava dos descendentes. Até meados do século passado, o trabalho era sobretudo manual e exigia força, o que terá prolongado esta cultura de divisão de tarefas.

Havendo ou não um factor social e de educação familiar tradicional, sobretudo na infância (o que explicaria os carrinhos e as bonecas), na fase adulta este factor não será o mais determinante. Claro que todos conhecem um João que brinca com bonecas e uma Susana que gosta de jogar futebol com os rapazes. Claro que sim e ainda bem; isto é a verdadeira diversidade. Estes heróis estão deslocados do standard, mas porque assim o escolheram e não porque alguém impôs uma quota.

O princípio da diversidade nas suas múltiplas formas (género, raça, credo, etc.) é substancialmente irrefutável, mas tem sido frequentemente interpretado como justificação para imposição de quotas e outras formas de discriminação. De facto, com o argumento de combater a desigualdade de género, a medida padrão tem sido estabelecer quotas para mulheres. A designada “discriminação positiva” apenas favorece determinados grupos, marginalizando os outros. E então os transgénero, os agénero, os pangénero, não esquecendo os não-binário e os terceiro género? E quanto à diversidade social, cultural, raça, religiosa, pessoas portadoras de deficiência ou com necessidades especiais? Impor quotas para um destes grupos não será discriminar os outros? Será a estratégia mais adequada estabelecer quotas para todos os grupos? E para que casos? Pretendemos 50% de médicas e 50% de deputadas, mas não 50% de enfermeiras e 50% de trolhas? E que tal 50% de metaleiras e 50% de mulheres-lixeiras?

Subscrevo a não-discriminação, a afirmação da diversidade e a promoção da integração das diferenças. Não subscrevo a adopção de medidas avulsas, sectárias, sem atender à natureza e preferências das pessoas; simplesmente, não parece sensato na demanda pela diversidade.

A sociedade mais igualitária será aquela em que as pessoas escolhem, sem constrições, as profissões que as atraem, independentemente do género, cor ou crença.

Sugerir correcção
Ler 10 comentários