Rússia aperta o cerco a Kiev e bombardeia sem piedade a Ucrânia

Face a uma promessa dos EUA de envio de mais armas, Moscovo avisa que, a partir de agora, colunas de armas enviadas para a Ucrânia por países ocidentais serão “alvos militares legítimos”.

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Um homem entra na cratera provocada por uma bomba que destruiu um centro cultural e edifício administrativo em Bishiv, perto de Kiev REUTERS/Thomas Peter

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No centro de Kiev é possível viver momentos de normalidade, como ver operários a arranjarem buracos na estrada, relatava o correspondente da BBC, James Waterhouse. Mas em Irpin, um subúrbio da capital, havia combates na rua à noite, relata o New York Times. E as sirenes de emergência, que avisavam para ataques aéreos iminentes, começaram bem cedo na manhã deste sábado, quebrando essa ilusão de normalidade.

A maior parte das forças russas estão nos subúrbios, a apenas 25 km do centro da capital, segundo o Ministério da Defesa britânico, preparando-se para o assalto a Kiev. “Só se arrasarem completamente a cidade” é que a Rússia conseguirá tomar Kiev, prometeu o Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, numa conferência de imprensa, em que acusou Vladimir Putin de estar a lançar “uma guerra de aniquilação” na Ucrânia.

Estará o Presidente russo disposto a arrasar Kiev, como diz Zelensky? “Kiev é uma cidade histórica – era a capital do Rus de Kiev [o primeiro Estado eslavo, do século IX], muito antes de existir Moscovo. Se Vladimir Putin destruir Kiev, essa notícia não o tornará popular na Rússia”, disse Frank Gardner, analista de segurança da BBC. “Mas acho que Putin não vai hesitar perante nada para subjugar a Ucrânia à sua vontade. Preferirá ter uma ruína fumegante do que permitir que a Ucrânia se alie ao Ocidente e à Europa, juntando-se à União Europeia e à NATO.”

Zelensky sublinhou, no entanto, a desmoralização das forças russas: só na sexta-feira renderam-se 500 a 600 soldados russos, afirmou. Mas estes números são impossíveis de verificar. Disse ainda que 1300 soldados ucranianos foram mortos desde o início da invasão. Quase 2,6 milhões de ucranianos fugiram do país, diz a ONU.

Ameaça russa à NATO

A Rússia não mostra, no entanto, sinais de abrandar a sua ofensiva militar. O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Riabkov, levantou a hipótese de confronto militar directo com a NATO ao avisar que Moscovo considera, a partir de agora, colunas de armas enviadas para a Ucrânia por países ocidentais como “alvos militares legítimos”.

“Avisámos [os Estados Unidos] das consequências da transferência absurda de armas como sistemas antiaéreos móveis ou mísseis antitanque e etc. para a Ucrânia”, declarou. “Encher [a Ucrânia] de armas [vindas] de uma série de países” não é “apenas uma acção perigosa – é algo que transforma estas colunas em alvos militares legítimos”, disse o ministro russo, citado pelo Financial Times.

Este sábado, os EUA aprovaram enviar mais 200 milhões de dólares (182 milhões de euros) em armas e equipamento para a Ucrânia, depois de um primeiro pacote de 350 milhões de dólares (319 milhões de euros) aprovado pela Administração Biden no mês passado. No novo lote estão incluídas mais de 17 mil armas, incluindo mísseis antitanque Javelin e mísseis antiaéreos Stinger, diz o New York Times.

As operações de entregas de armas de países da NATO à Ucrânia têm sido coordenadas em centros logísticos na Roménia e Polónia e envoltas em secretismo para evitar que sejam atacadas.

Zelensky disse, entretanto, ter discutido a possibilidade de se realizarem negociações com a Rússia em Jerusalém, de acordo com uma proposta do primeiro-ministro israelita, Naftali Bennet. Já o Presidente francês, Emmanuel Macron, e o chanceler alemão, Olaf Scholz, falaram outra vez com Vladimir Putin, numa videochamada, mas de acordo com o relato do Palácio do Eliseu, a conversa não foi fácil. Os líderes francês e alemão pediram um cessar-fogo antes de se poder iniciar uma discussão estruturada sobre os próximos passos, e isso nem sequer consta da transcrição divulgada pelo Kremlin, diz a Reuters.

A União Europeia vai discutir a aplicação de mais sanções nos próximos dias, que vão levar em conta o que se está a passar com o cerco de Mariupol, que dura já há 12 dias – onde as pessoas estão sem água nem electricidade ou alimentos, são obrigadas a derreter neve para ter água para beber e os mortos estão a ser enterrados em valas comuns.

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O edifício destruído da escola 25 em Jitomir, a Oeste de Kiev MIGUEL A. LOPES/EPA

Presidente da câmara sequestrado

“Vimos pessoas que morreram por causa de falta de medicação”, disse um elemento dos Médicos Sem Fronteiras, citado pela Reuters. “Os vizinhos simplesmente cavam um buraco no chão e põem as pessoas que morreram lá dentro”.

O bombardeamento a uma mesquita em Mariupol, onde estão refugiados 86 cidadãos turcos, chegou a ser noticiado, mas não se confirma: o presidente da asssociação da mesquita disse no Instagram que uma bomba caiu a apenas 700 metros dali.

O coordenador das Nações Unidas para a crise na Ucrânia, Amin Awad, disse à Associated Press que está a tentar obter um acordo entre ambas as partes para estabelecer corredores para a entrega de ajuda humanitária. Disse que está a ser feito algum progresso, mas expressou frustração com a resistência em pôr em prática o cessar-fogo necessário para isso. Pelo menos 12 milhões de ucranianos precisam de ajuda, acrescentou.

Este sábado terão saído de Kiev umas 2000 pessoas, mas os serviços de informações ucranianos acusaram a Rússia de ter disparado contra um comboio humanitário que estava a retirar crianças e mulheres de Peremoha, uma aldeia na região de Kiev, matando sete pessoas, incluindo uma criança, diz a Reuters.

As sirenes a avisar do perigo de ataque aéreo tocaram na maioria das cidades ucranianas neste sábado, trazendo com elas a destruição. O governador de Chernihiv, a cerca de 150 km a Nordeste de Kiev, fez um vídeo junto às ruínas do hotel Ucrânia, que disse ter sido atingido neste sábado. “Já não existe este hotel. Mas a Ucrânia ainda existe”, disse Viacheslav Chaus, com um ar exausto, a limpar as lágrimas dos olhos, relata a Reuters.

Volnovakha, no sudeste, foi completamente destruída desde o início da invasão russa, disse, por seu lado, o governador da região de Donetsk, Pavlo Kirilenko. A maior parte da população fugiu, os edifícios estão em ruínas. “Em geral, Volnovakha com as suas infra-estruturas já não existe”, disse ao canal de televisão ucraniano Direct, citado pela BBC. Mas ainda há combates, para tentar evitar que os russos assumam o controlo de um território estrategicamente importante.

Mais de 2000 habitantes de Melitopol, uma cidade do sul do país e uma das primeiras a serem tomadas pela Rússia, protestaram junto à câmara municipal exigindo a libertação do presidente da autarquia, Ivan Fedorov, que terá sido sequestrado pelos militares russos, com um saco enfiado na cabeça.

Macron e Scholz pressionaram Putin a libertar Fedorov, um grupo de deputados do Parlamento Europeu emitiu uma declaração a pedir o mesmo: “Estamos assustados e chocados pelo sequestro ilegal do presidente da câmara de Melitopol por militares russos. Fedorov estava a cumprir a sua missão de forma corajosa a coordenar a entrega de ajuda humanitária aos cidadãos de Melitopol”, pode ler-se.