As sardinhas não nascem apenas no mar, também se multiplicam em terra

Olhão produz sardinha que nasceu selvagem, domesticou-se e adaptou-se a um novo ambiente. A Estação Piloto de Piscicultura de Olhão, a comemorar 20 anos, tem mais um projecto para investir 4 milhões na área das ciências do mar.

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Transferência de corvinas criados na EPPO para o mar Raquel Costa/Stills - colaborador

As sardinhas selvagens foram domesticadas, passando a reproduzir-se em sistema de aquacultura. A experiência ocorre desde há quatro anos na Estação Piloto de Piscicultura de Olhão (EPPO). “Já temos aqui a terceira geração de sardinhas [produzidas em cativeiro], só os avós é que nasceram no mar”, diz o director da EPPO, Pedro Pousão, o investigador que há 38 anos faz a multiplicação dos peixes no Algarve. A sardinha é apenas mais uma das recentes experiências a ser operada neste centro de investigação, a comemorar 20 anos de existência. Conhecer o ciclo de vida das espécies foi o primeiro passo para produzir em terra o peixe que vai faltando no mar.

Pedro Pousão aproxima-se dos tanques onde os animais vivem, literalmente, como peixe na água. Lança a ração, o cardume atira-se de cabeça ao alimento. “Estão bem vivinhas”, observa. O saltitar das sardinhas não deixa margem para dúvidas do seu estado de saúde. “Fiz o teste de degustação, acho que têm muito potencial”, diz António Vieira, biólogo e produtor de douradas e robalos em aquacultura há mais de três décadas. Este centro do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), enfatiza Pedro Pousão, é “pioneiro no cultivo em aquacultura da sardinha”. Lá fora, nos restantes países europeus, acrescenta, também há quem já esteja a estuda esta espécie, como é o caso dos franceses.

As alterações climáticas, prossegue o investigador, não se reflectem apenas na seca que já se faz sentir nos campos. “Pode acontecer que deixemos de pescar sardinha aqui e esta venha a aparecer no norte da Inglaterra”. Cientistas, entidades oficiais e Organizações Não Governamentais convergem num ponto: é preciso reduzir e diversificar o consumo de peixe selvagem. Para garantir a sustentabilidade da pesca a longo prazo, diz António Vieira, “é necessário investir mais na investigação e desenvolver a aquacultura”. Mas enquanto “o estrangeiro bate palmas ao trabalho feito pelos nossos investigadores, Portugal passa ao lado ou mete na gaveta” do que é feito, critica.

No entanto, no ano passado, foi criado, no espaço do EPPO, o S2AQUAcoLAB - Laboratório Colaborativo em Aquacultura Sustentável e Inteligente, uma associação formada por dois centros de investigação, uma cooperativa, nove empresas e outras entidades públicas e privadas. E, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), está previsto um investimento de quatro milhões de euros na remodelação e ampliação do velho edifício do IPMA no porto de Olhão para criar uma área de desenvolvimento das ciências do mar ligada à aquacultura e biotecnologia.

Quando a estação de piscicultura de Olhão foi inaugurada, há 20 anos, chegou a ser considerado um equipamento com dimensões exageradas. Pedro Pousão recorda uma pergunta que lhe fizeram: “Para quê umas instalações tão grandes?”. Agora, as instalações da EPPO, situadas na Quinta do Marim, à entrada do Parque Natural da Ria Formosa, revelam-se exíguas: “Temos contentores alugados a servir de escritório”, exemplifica.

O crescente consumo de pescado – cerca de dois terços do peixe que comemos é importado - coloca sob pressão os stocks marinhos. A sardinha não faltou no ano passado mas já atingiu no mercado um preço superior aos dez euros/quilo, superior à dourada ou robalo. Antecipando cenários de escassez, a EPPO trabalha em diferentes campos de investigação.

“Quando comecei a trabalhar, em 1984, perguntavam-me: o que é que tu fazes?”. O então jovem investigador, respondia: “trabalho com dourada”. O peixe, na altura, quase desconhecido para a maioria dos consumidores, destinava-se à exportação e a quem tinha maior poder de compra. Mais recentemente, os estudos estão virados para o lírio (espécie que aparece com frequência nos Açores e só ocasionalmente no Algarve) e os ouriços do mar.

O interesse pelo estudo da sardinha, diz Pedro Pousão, “nasceu da necessidade da ciência ir um passo à frente” em relação ao quotidiano. Nesse sentido, dá como exemplo o caso da corvina, também objecto de estudo. “Já libertámos para o mar, nos últimos anos, milhares de corvinas”. O trabalho desenvolvido pela Universidade do Algarve (Ualg), desde há mais de quatro décadas, tem funcionado como âncora para desenvolver na região um novo sector virado para a economia azul. O biólogo António Vieira, formado na Ualg, gere duas explorações de 50 hectares de aquacultura - uma na ria de Alvor e outra na ria Formosa. A expansão da actividade, observa, está pendente da definição que as entidades oficiais vão dar a 2 mil hectares de antigas salinas abandonadas.

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