Rússia intensifica ataques em vésperas de nova ronda de negociações

Várias cidades ucranianas estão a ser cercadas pelos militares russos. Assembleia geral da ONU condena ataque com 141 votos a favor e apenas cinco contra. Reino Unido lidera acção no TPI de 38 países, incluindo Portugal, para investigar crimes de guerra.

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Há 15 mil pessoas a refugiar-se no metro de Kiev ROMAN PILIPEY/EPA
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Explosão nos arredores de Kiev ALISA YAKUBOVYCH/EPA
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Forças ucranianas preparam edifício para ataque ROMAN PILIPEY/EPA

As explosões pareciam cada vez mais e mais fortes: a capital da Ucrânia, Kiev, foi atingida várias vezes, uma delas perto da estação central de comboios, onde multidões de pessoas, na maioria mulheres e crianças, tentavam embarcar para sair da cidade antes do que se teme que seja o grande ataque das forças russas.

A explosão aconteceu perto de uma central de aquecimento, que poderá ter ficado destruída, deixando partes de Kiev em risco de ficar sem aquecimento numa altura em que as temperaturas andam à volta dos zero graus.

A segunda maior cidade ucraniana, Kharkiv, continuava ontem sob ataque, em mais um dia de bombardeamentos que têm atingido zonas civis. Nas últimas 24 horas tinham morrido 25 pessoas, disseram as autoridades esta quarta-feira. Foi mais um dia em que a cidade se manteve sob controlo ucraniano, apesar de estar cercada pelas forças russas.

Cada vez mais se confirma a tentativa de cerco a cidades, como se previa que pudesse acontecer tendo em conta os métodos usados pelos militares russos na Síria, por exemplo. O vice-presidente da câmara da cidade de Mariupol, Serhii Orlov, queixou-se de que não conseguia sequer retirar os feridos das ruas, já que havia mais de 15 horas que os disparos não paravam.

São disparos de “todas as armas que [os militares russos] têm”, declarou à BBC. “Artilharia, sistemas de lançamento de rockets, aviões, rockets tácticos. Estão a tentar destruir a cidade”.

No meio do ataque, era impossível contar o número de vítimas, “mas acreditamos que morreram pelo menos centenas de pessoas”. Um bairro residencial foi atingido com violência. “Não conseguimos ir buscar os cadáveres. O meu pai mora lá, mas não consigo chegar até lá. Não sei se está vivo ou morto.”

A cidade é importante para a Rússia porque permitiria que os separatistas no Leste da Ucrânia juntassem forças com as tropas na província da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014.

Kherson “à espera de um milagre"

Já Kherson, cidade portuária perto do Mar Negro, era descrita como ora tomada pelas forças russas ora mantendo-se em mãos das autoridades ucranianas. Se estivesse sob controlo russo, seria a primeira grande cidade a ser conquistas pelas forças de Vladimir Putin. O presidente da câmara disse que a cidade estava “à espera de um milagre” para recolher corpos e restaurar serviços básicos, cita o New York Times.

Os serviços de emergência da Ucrânia disseram que morreram 350 civis nos seis dias, e há mais de 2000 pessoas feridas. Centenas de estruturas foram destruídas: transportes, hospitais, creches e casas. A ONU confirmou 227 mortes de civis e 525 feridos.

A Rússia anunciou, pela primeira vez, um número de baixas (antes tinha admitido que havia mortes, acrescentando apenas que eram muito menos do que do lado ucraniano): esta quarta-feira, divulgou 498 baixas.

Enquanto isso, esperava-se uma segunda ronda de negociações entre delegações russa e ucraniana esta quinta-feira de manhã.

Nova central nuclear tomada pelos russos

A Agência Internacional de Energia Atómica anunciou que os militares russos estão a controlar o território em volta da central nuclear ucraniana de Zaporizhzhia, a maior não só da Ucrânia, mas também da Europa. O director-geral da agência da ONU para o nuclear apelou aos combatentes para não interferirem nas actividades da central nem ameaçarem os trabalhadores.

As forças russas estão ainda a bombardear partes da rede ferroviária da Ucrânia, dificultando a fuga de centenas de milhares de pessoas, disse o presidente da empresa estatal de comboios Oleksandr Kamyshin ao Politico.

“Continuamos a reparar a nossa infra-estrutura, mas eles continuam a destruí-la”, declarou. “Continuamos a fazer as reparações, mesmo sob fogo, e continuamos a ter os comboios a funcionar”, declarou. Os comboios da empresa terão levado para fora das regiões sob ataque – no Centro, Leste e Sul da Ucrânia – cerca de 670 mil pessoas (e 11 mil gatos e cães). As estações de comboios têm sido palco de cenas de emoção e nervos, com muita gente a tentar embarcar, mas muitos a não conseguir. E homens entre 18 e 60 anos não podem sair do país: são obrigados a ficar para combater.

ONU vota contra invasão, 38 países submetem pedido ao TPI

Enquanto isso, nas Nações Unidas, a Assembleia Geral extraordinária votou esmagadoramente contra a invasão russa da Ucrânia, com 141 votos (entre 193) a favor de uma resolução condenando a invasão e pedindo a retirada imediata das suas forças. Houve ainda 35 abstenções e apenas cinco votos contra a resolução: da própria Rússia, da Bielorrússia, da Síria, onde a Rússia interveio para apoiar o regime de Bashar al-Assad, da Coreia do Norte e da Eritreia.

Países tradicionalmente aliados da Rússia, como Cuba e Venezuela e Nicarágua, abstiveram-se. O silêncio destes aliados tradicionais após a invasão estava já a ser notado.

No Tribunal Penal Internacional, o Reino Unido e outros 37 países - incluindo Portugal - submeteram formalmente uma informação de crimes de guerra que podem ter sido cometidos na Ucrânia. Esta é, diz o Guardian, a maior acção conjunta na história do TPI. Na prática, permite apressar o processo de investigação que estava já em curso.

Lei marcial na Rússia?

Enquanto isso, na Rússia, a marcação de uma reunião extraordinária do Conselho da Federação para sexta-feira está a levar à especulação de que o país poderá decretar a lei marcial. A última vez que o conselho foi reunido deste modo foi dois dias antes da invasão da Ucrânia, para aprovar uso de força militar fora do país. Na agenda para sexta-feira está a discussão de um pacote de medidas anticrise em resposta às sanções ocidentais.

Segundo a organização OVD-Info, que tem estado a recolher dados sobre detenções, desde o início da invasão foram detidas 7586 pessoas que se manifestavam contra a guerra em várias cidades russas.

Além das detenções em protestos, a Rússia tem controlado ainda mais os media proibindo o uso de expressões como guerra para descrever o que se está a passar na Ucrânia. Impediu também a transmissão da popular estação de rádio Eco de Moscovo (liberal, e onde a empresa estatal Gazprom tem uma posição maioritária).

Se for imposta, a lei marcial permitirá grandes restrições à liberdade de movimento e de expressão, além de prolongar automaticamente todos os cargos eleitos.

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