O adeus dos emigrantes

Portugal quer ou não que os emigrantes continuem a participar na vida política do país? Se a resposta for não, se calhar é melhor acabar com os círculos do estrangeiro, cuja insignificância é evidente e até espelhada na forma como Marcelo Rebelo de Sousa ouviu os partidos antes mesmo de esses votos terem sido contados.

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Nuno Ferreira Santos

O recente episódio da anulação de votos de portugueses residentes na Europa pôs a descoberto um problema que já tardava em ser devidamente tratado: Portugal quer mesmo que os seus emigrantes continuem a participar activamente na vida política do país?

Para um emigrante, actos que não são mais do que aborrecidos em Portugal podem tornar-se autênticos infernos. Os consulados e as embaixadas são buracos negros frequentemente incontactáveis e que não sabem, na maior parte dos casos, abandonar a linguagem tecnocrática para se fazerem entender.

Uma deslocação física aos serviços pode significar, para quem vive em Aberdeen, na Escócia, por exemplo, mais de 12 horas num comboio ou num carro (para quem o tem) e todos os custos associados. Resta, muitas vezes, o recurso a página de Facebook onde pessoas, bem ou mal informadas, lá vão mandando os seus palpites.

Não serão todos assim, claro. Mas, em graus diferentes, a relação dos emigrantes com o seu país de origem exige sempre um grau de sacrifício só justificado por um apego à pátria, um desejo de regresso ou a esperança de que, pelo menos, os filhos possam para lá ir.

E eu sei que é entre os círculos do estrangeiro que se registam maiores níveis de abstenção. Mas essa é uma história mal contada. Se compararmos o número de pessoas que efectivamente vota com o número de deputados que elegem, o quadro é radicalmente diferente.

À excepção de três, em todos os restantes círculos eleitorais cada deputado representa a vontade expressa por 20 mil a 27 mil votantes.

Os Açores são uma das três excepções. Com um deputado por cada 17 mil votantes, é o círculo onde menos gente vota por cada deputado eleito.

A outra excepção é o círculo fora da Europa”, com um deputado por cada 32 mil votantes, o que não está muito longe do grosso dos restantes.

Finalmente, a última excepção é o círculo da Europa, o tal em que mandaram boletins para o lixo e onde agora querem que as pessoas votem outra vez. Nesse círculo há um deputado para cada 96.500 votantes. É, de longe, o círculo onde mais gente vota em proporção com o número de deputados que elege.

É, portanto, entre aqueles que mais se esforçam que o esforço menos é recompensado.

Está então, na altura, de colocar algumas questões. Portugal quer ou não que os emigrantes continuem a participar na vida política do país? Se a resposta for não, se calhar é melhor acabar com os círculos do estrangeiro, cuja insignificância é evidente e até espelhada na forma como Marcelo Rebelo de Sousa ouviu os partidos antes mesmo de esses votos terem sido contados.

Por outro lado, se a resposta é sim, talvez seja altura de pensar em formas de valorizar o esforço dos emigrantes e de lhes dar a representação política que, por justiça, merecem. É verdade que os emigrantes não vivem em Portugal e as decisões políticas não os afectam tanto, mas isso não é, nem pode ser, critério. Os Açores têm um governo regional com competências próprias e não deixam de ser o círculo com maior representação proporcional ao número de votantes.

Há, certamente, muitos problemas a resolver na representação política dos portugueses, mas a forma atabalhoada e displicente com que se tem tratado os eleitores do círculo europeu revela mais do que um sistema desajustado. Revela um sistema que ou não quer saber dos seus, ou não considera os emigrantes como seus.

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