Acórdão do Tribunal Constitucional: o ângulo morto

Aparentemente, ninguém se interrogou da razão de ter sido “seleccionado” – digamos assim – o recurso do Volt.

Quis o destino que me coubesse a tarefa de minutar em tempo recorde o recurso do PAN (Pessoas-Animais-Natureza) perante o Tribunal Constitucional no processo de apuramento anómalo dos votos dos eleitores do círculo da Europa, novela portuguesa que resultou em geral edificação, detrimento da República e maior glória de Deus. Relembro aqui a história: em 18 de Janeiro, PS, PSD, BE, CDU, IL, Livre, Aliança e Volt – e só estes! – assentaram num entendimento comum: contar como válidos os votos que viessem sem fotocópia do BI ou CC. Renunciavam assim, creio que validamente, a reclamações futuras na altura do escrutínio. Chama-se a este tipo de entendimento um acordo de cavalheiros, quer dizer, honorable men, que prometem entre si uma coisa e empenham nisso apenas a sua palavra.

Alguém do PSD, impenitente, decidiu rachar o acordo e desse modo abrir ao trânsito uma vereda até ao inacessível Palácio Ratton, e do mesmo passo acrescentar mais um capítulo à história universal da infâmia – tão antiga como o mundo. O resto é conhecido: uns inéditos e muito embaraçosos 80% de votos nulos no círculo europeu e um recurso jurisdicional vitorioso de um pequeno partido, o Volt (apesar do vaticínio de Miguel Poiares Maduro, que num debate televisivo com João Soares declarou ex cathedra a incompetência dos pequenos partidos para fazerem recursos deste jaez e dificuldade). Mas – e este é o meu ponto! – não foi só um partido, foram quatro os que, no apertado prazo de 24 horas que a lei concede, recorreram ao Tribunal Constitucional (TC): o Chega (recurso n.º 179), o Volt (n.º 180), o Livre (n.º 181) e o PAN (n.º 182).

Uns dias depois, o presidente do TC apareceu na televisão a comunicar (e explicar) o teor do acórdão tirado em plenário. Pudemos então todos verificar, sem grande surpresa, que o TC tinha acolhido as razões (mas não as pretensões) do Volt. E tudo estaria bem, se não sobreviesse uma perplexidade. Aparentemente, ninguém se interrogou da razão de ter sido “seleccionado” – digamos assim – o recurso do Volt.

Aventa-se por aí, na imprensa e nas redes, que seria esse o recurso “mais bem instruído” e “mais bem fundamentado juridicamente”. Talvez fosse. Todavia não creio que importe o mérito do recurso do Volt ou o eventual demérito dos recursos restantes – todos seriam providos, pois o recurso é de plena jurisdição e de feição objectivista.

Importa, sim, perceber a razão da escolha efectuada pelo Tribunal, visto que o recurso do Chega foi cotado com o número 179, o que me leva a supor que terá entrado antes do recurso do Volt (que levou o n.º 180), sendo que a precedência temporal, apesar de tudo, sempre seria um critério racional e compreensível. O que não me parece compreensível, nem aceitável, é que o TC admita os quatro recursos e de seguida opte por conhecer e julgar apenas um deles em função do arrazoado ou probabilidades de sucesso, com preterição dos demais, despachando estes últimos para o caixote do lixo da inutilidade superveniente da lide.

Os tribunais, é sabido, devem primar pela equanimidade, constância e fortaleza de ânimo. São cubos de gelo, sem estados de alma quanto ao resultado dos seus pronunciamentos. A razão da opção pelo conhecimento e julgamento do recurso do Volt em prejuízo dos outros recursos não foi explicada na conferência de imprensa promovida pelo TC nem faz parte da motivação do acórdão. Num prazo de decisão de 48 horas, também não colhe o argumento de que um conselheiro andou mais depressa do que os outros no relato, sem prévia articulação do trabalho entre eles e sendo a decisão do plenário – esta explicação também é curta. O que é que não se vê, então, neste ângulo morto que devia estar à vista de todos? Talvez o sábio florentino possa ajudar…

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