Tecnologia alargou mercado da arte em 2021 mas criou novos crimes

As obras de arte em formato NFT alimentaram só nos primeiros meses do ano passado vendas de mais de três mil milhões de dólares. Mas os ciberataques também já proliferam neste mundo, adverte um relatório da seguradora Hiscox.

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A tecnologia NFT tem atraído coleccionadores e investidores ao mundo da criptoarte Tyrone Siu

A tecnologia alargou o mercado da arte em 2021, possibilitando a criação de novos suportes, e a reconstrução de obras antigas, mas aumentaram os ataques cibernéticos e os roubos de arte digital, indica um estudo da seguradora internacional Hiscox.

De acordo com o Relatório do Comércio de Arte Online 2021 do Grupo Hiscox, presente em 14 países, a tecnologia voltou a oferecer novas ferramentas de expressão aos artistas, com o surgimento dos activos únicos não fungíveis digitais (NFT, na sigla inglesa), um mercado que só nos primeiros meses de 2021 atingiu vendas de 3025 milhões de euros.

O estudo revela que 36% das plataformas de venda online de arte consideraram que as novas possibilidades de mercado surgiram do contributo da tecnologia blockchain, uma cadeia de blocos que ficam registados como únicos, irreplicáveis e cujo historial de transacções pode ser seguido desde a origem da obra.

No entanto, por outro lado, também os “ladrões de arte” chegaram ao mundo digital com ataques cibernéticos a plataformas de alojamento de NFT.

Em Março de 2021, uma “colagem digital” do artista Beeple, intitulada Todos os dias: os primeiros 5000 dias, foi vendida em leilão através da Internet por 69,4 milhões de dólares (58,4 milhões de euros), um recorde para obras não físicas.

Na altura, a leiloeira Christie's indicou que este foi o primeiro grande leilão de uma obra digital certificada com NFT, e também a primeira vez em que foi usada criptomoeda para pagar a obra adquirida, tornando Beeple “um dos três mais valiosos artistas vivos”.

A tecnologia, com a ajuda da inteligência artificial, também possibilitou a recuperação ou a reconstituição de obras de arte, algumas delas emblemáticas, como a série Medicina, Jurisprudência e Filosofia, do austríaco Gustav Klimt. Destruída um dia antes do fim da Segunda Guerra Mundial, quando o exército nazi incendiou o castelo austríaco em que se encontravam para que o Exército Vermelho não confiscasse o património artístico saqueado que ali fora guardado durante anos, dela apenas se preservaram fotografias a preto e branco.

Milhares de imagens e documentos da época foram combinados e analisados por especialistas do Google Arts and Culture e do Museu Belvedere, na Áustria, com o objectivo de aferir e reconstituir a cor original destas obras.

A inteligência artificial também serviu para reconstituir as partes que faltavam de A Ronda da Noite, uma das obras-primas de Rembrandt, que em 1715 foi cortada em quatro partes para que pudesse passar pela porta do salão da Câmara Municipal de Amesterdão, onde seria exposta, o que levou à remoção de algumas secções.

Graças a uma cópia que sobreviveu, e a um ambicioso e moroso projecto de fotografia 3D, o Rijksmuseum exibiu recentemente, pela primeira vez em 300 anos, uma reconstituição da obra completa.

No Japão, vários investigadores conseguiram reproduzir um fresco budista destruído pelos talibãs em 2001 no Afeganistão através do tratamento digital de uma centena de fotografias do fresco original, tiradas por arqueólogos antes da destruição.

Novas formas de crime

Entretanto, a capacidade do mercado digital para atrair investidores tornou-o um alvo atraente para criminosos e proporcionou o surgimento de novas formas de crime, indica o relatório referente ao ano passado.

Foi igualmente em Março de 2021 que ocorreu o primeiro roubo de NFT na plataforma Nifty Gateway, uma das páginas mais importantes dentro desta área. O prejuízo terá ascendido a 150 mil euros, segundo um dos utilizadores afectados, aponta o estudo.

Desde então, o volume e o impacto dos ataques aumentaram. A Vulcan Forged, um mercado NFT de videojogos, foi vítima de um roubo avaliado em cem milhões de dólares. Aconteceu depois de um utilizador ter lançado um ataque cibernético que comprometeu os sistemas de segurança da plataforma para saquear as carteiras dos outros membros da rede, que perderam os códigos de acesso sem conseguir recuperar os fundos que tinham armazenado.

“Embora seja uma novidade devido ao conteúdo do roubo, estes ataques seguiram as técnicas clássicas de ciberataque, incluindo [técnicas de] engenharia social”, aponta o relatório da seguradora.

Foi o caso do roubo denunciado pelo coleccionador de NFT Jeff Nicholas, que perdeu todo o seu portfólio de arquivos NFT, avaliado em 400 mil euros, após criminosos cibernéticos se terem feito passar pelo suporte técnico da empresa para o ajudar a resolver um problema de direitos, convencendo-o a partilhar o seu ecrã.

Mas o relatório aponta também que em 2021 os roubos de arte continuaram a ser perpetrados no mundo físico, nomeadamente no Reino Unido, onde desapareceu um objecto artístico e histórico único: o icónico rosário que Mary Stuart usou durante a sua decapitação. Juntamente com outras peças de ouro e prata avaliadas em cerca de um milhão de euros, a jóia foi roubada do Castelo de Arundel, no Sussex, que tinha acabado de abrir as suas portas ao público após o confinamento.

Em Espanha, um assalto ao Hotel Miguel Ángel resultou no roubo de uma escultura e três pinturas no valor de 340 mil euros, entre os quais uma tela de Joaquín Sorolla.

O relatório alerta que “o explodir do mercado de arte digital ‘à boleia’ das características únicas dos NFT, que permite identificar o verdadeiro proprietário de uma obra digital, trouxe vários coleccionadores movidos pelo potencial de valorização destes tokens”.

“No entanto, o desconhecimento do modo como este mercado funciona, ligado a alguma ingenuidade, tem-se revelado um terreno fértil para ciber-delinquentes que utilizam as mesmas técnicas usadas em ataques informáticos a empresas, com um grau de sucesso muito mais elevado”, adverte a Hiscox.

O Grupo Hiscox é uma companhia de seguros internacional especializada, com um segmento dedicado à arte. Tem sede nas Bermudas e está cotada na Bolsa de Londres. Presente em 14 países, é representada em Portugal pela empresa Innovarisk, fundada em 2013 e registada junto da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões como agente de seguros do ramo não vida.

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