Série Friends passa na China, mas sem cenas sexuais e personagem LGBTQ

A famosa sitcom americana voltou aos serviços de streaming chineses, mas agora com partes cortadas. Outro caso recente de censura foi o filme de David Fincher, Clube de Combate, cujo final tinha sido completamente alterado. Depois de muita indignação, o final original foi agora reposto.

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A história da ex-mulher de Ross foi apagada na versão chinesa

O esperado regresso da série Friends aos serviços de streaming chineses, que se deu há alguns dias, depois de durante quatro anos ter estado desaparecida do mapa, foi uma surpresa agridoce para os fãs, que se queixam de um “ultraje a um clássico”. Isto porque várias cenas relativas a temas LGBTQ e de sexo foram cortadas logo na primeira temporada.

O que espoletou mais críticas foi a eliminação completa da história de Carol, a ex-mulher de Ross, de forma a esconder a sua homossexualidade — o The New York Times comenta que se criara assim um novo episódio: The One Where Ross’s Ex-Wife Isn’t Gay. ("Aquele onde a ex-mulher de Ross não é gay”, numa tradução livre).

Apesar da censura no mundo cinematográfico na China já ser habitual, os fãs não deixaram de mostrar desagrado. “[As plataformas de streaming] gastaram muito dinheiro para comprar a licença [da série], mas os esforços que empenharam em alterar falas e cortar cenas acabaram por ser fortemente criticados pelo público. Para quê a compra então?”, queixou-se um utilizador na rede social chinesa Weibo, citado pelo South China Morning Post.

Além de haver partes cortadas, também se verifica, por vezes, que as legendas não coincidem com as falas originais. A frase de Ross “as mulheres podem ter vários orgasmos” foi substituída por “as mulheres têm fofoquices que nunca mais acabam”, por exemplo, como menciona o jornal chinês.

Entre 2012 e 2018, dois serviços de streaming chineses obtiveram licenças para passar a série, sendo que nesta altura ainda não havia sido censurada. É por isso que a versão original de Friends é conhecida na China, a par das cópias pirateadas que correm na Internet.

Ainda no ano passado, o episódio especial que reuniu os seis actores principais da série, Jennifer Aniston, Courteney Cox, Lisa Kudrow, Matt LeBlanc, Matthew Perry e David Schwimmer, foi sujeito a alterações ao entrar para as plataformas chinesas. Nesta versão de Friends: The Reunion, tanto Lady Gaga como Justin Bieber (entre outros) caíram de cena. Ambos não eram bem vistos pelo Governo chinês: a primeira por ter tido um encontro com Dalai Lama e o segundo por ter feito uma visita a um santuário no Japão que faz referência a nomes que a China associa a crimes de guerra no país.

Desde que, em 2017, foi aprovada a “Lei de Promoção da Indústria Cinematográfica”, a China tem vindo a apertar as medidas de censura. De fora fica tudo o que comprometa a soberania e a ordem pública do país, assim como o que cause disrupções na estabilidade social, propague a superstição ou difame as tradições culturais, como enumera o The New York Times. Os contratos que os serviços de streaming chineses estabelecem com as produtoras são até bem claros neste aspecto, antecipando que “podem ser feitos cortes para fins de censura”, como revela o The Hollywood Reporter.

Final de Clube de Combate foi reposto

Um dos casos mais recentes que levantou um coro de críticas pelo mundo fora foi a drástica alteração do final do filme Clube de Combate (1999), realizado por David Fincher, que só se estreou em Janeiro deste ano na plataforma chinesa Tencent Video.

Ao invés das imagens das explosões de edifícios de empresas, que passam uma mensagem anti-capitalista e anarquista, a versão chinesa dava a volta à história para que as autoridades ficassem bem na fotografia. As explosões tinham sido cortadas e acrescentaram mesmo uma nova linha narrativa, aparecendo a mensagem: “A polícia rapidamente descobriu todo o plano e prendeu todos os criminosos, evitando com sucesso a explosão da bomba. Depois do julgamento, Tyler foi mandado para um asilo para lunáticos e recebeu tratamento psiquiátrico. Teve alta do hospital em 2012.”

Depois de muita pressão exercida pelo público, o final original acabou por ser reposto há poucos dias. Decisões destas são raras na China, pelo que na rede social Weibo se questionou o porquê de a Tencent Video ter modificado o final logo à partida, tendo em conta que “a versão original afinal também podia ser lançada”, conta o The Guardian.

Neste sentido, críticos questionam-se se esta alteração resultou de uma ordem directa da parte de entidades reguladoras do Estado ou se foi por opção própria do serviço de streaming, de forma a evitar possíveis complicações. A porta-voz da Pacific Audio & Video Co., a distribuidora de filmes que é afiliada da empresa de televisão estatal Guangdong TV, afirmou não ter tido nada a ver com o corte final da longa-metragem Clube de Combate.

O próprio David Fincher manifestou-se quando soube que o seu filme tinha sido censurado. “Se não gostas da história, porque haverias de licenciar o filme?”, ironizou o realizador à revista de cinema Empire. “Não é como se tivesse a reputação de ser super fofinho”, brinca.

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