Ó tempo, não voltes para trás: educação, ensino superior e ciência juntos de novo?

Criar um megaministério juntando a educação com a ciência e o ensino superior é repetir erros do passado de muito má memória.

Portugal vive um momento de mudança a caminho de uma estabilidade que o país merece e esta é altura de quem atravessou tempos difíceis e instáveis, e que nunca se calou, poder dar um público e independente testemunho dos resultados de erros cometidos no passado para que, quem decide, esteja em condições de o fazer totalmente informado, para não dizer avisado.

Vivi, intensamente, como reitor e depois presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, os dois modelos: Ensino Superior e Ciência autónomos e, depois, a junção com a Educação e aqui estou, objetivamente, a dar esse público testemunho do que vivi e que posso documentar exaustivamente.

Quando José Mariano Gago, cuja memória nunca perco a oportunidade de lembrar e homenagear, criou, concetualmente, o enorme edifício que é hoje a ciência portuguesa fê-lo na convicção de que o Ensino Superior precisava de uma grande mudança para acompanhar e sustentar esse passo gigante. Num segundo tempo, já titular das duas pastas, conseguiu fazer alinhar as duas áreas e contribuiu para lançar as bases para o progresso de Portugal baseado no conhecimento científico, na inovação e nas relações com a sociedade.

O hiato que correspondeu ao período de junção do Ensino Superior e da Ciência com a Educação caraterizou-se por um esbater do papel das duas primeiras não obstante as promessas de mudança para um rumo melhor. Não se trata de avaliar pessoas, mas sim políticas e essas, se existiram, ficaram no papel. Mas houve, por exemplo, um esvaziamento das competências da Direção Geral do Ensino Superior, uma pseudo-reorganização da Fundação para a Ciência e Tecnologia e, ainda mais grave, a extinção de instituições científicas como o Instituto de Investigação Científica Tropical.

A reconstituição que se seguiu, nos últimos anos, permitiu a Portugal não só retomar o seu rumo de sucesso, na Ciência e no Ensino Superior, como alargar, com escala, as ligações à sociedade e ao território nacional. Colaborei, até 2017, nesse movimento que mobilizou, cientistas, docentes, autarcas, empresários e, sobretudo, jovens que se qualificaram como nunca tinha acontecido no nosso país.

O desafio que vamos enfrentar agora não é apenas para “jovens doutores e engenheiros”, é também para a população adulta que vive no nosso território, do litoral ao interior, e com quem estamos em dívida porque, apesar de todo o trabalho já realizado, ainda não conseguimos promover, em todo o território nacional, núcleos de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação, aproveitando os recursos locais, regionais e nacionais. O desafio da Educação é também extremamente importante e engloba, entre outras missões, a gigantesca tarefa da regionalização, mas num contexto bem diferente do ensino superior por uma simples razão, porque essa rede inovadora ainda está por construir enquanto a rede das instituições de ensino superior já existe. Não me estou a referir às estruturas administrativas tradicionais, mas sim a equipas interinstitucionais responsáveis por projetos concretos e inovadores que já estão no terreno, como sucedeu com o Programa Impulso para qualificar jovens e adultos em estreita articulação com parceiros sociais, recentemente financiado no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, no lançamento do qual também colaborei.

Criar um megaministério juntando a Educação com a Ciência e o Ensino Superior é repetir erros do passado de muito má memória. O tempo é de avançarmos e não de voltarmos para trás. O futuro só será construído com uma maior articulação entre as qualificações superiores, a investigação e a inovação num contexto de maior autonomia institucional e em partilha com a sociedade.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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