Estafadas justificações e o debate necessário

A direcção do PCP, que tanto se arroga do seu marxismo-leninismo, não foi, nem é, capaz de seguir Lenine, que recomenda: “Reconhecer abertamente o erro, pôr a descoberto as suas causas, analisar a situação que o engendrou e discutir atentamente os meios de o corrigir.”

Lê-se e não se acredita. Falo do comunicado do comité central do PCP, do passado dia 1, sobre a “análise” dos resultados eleitorais do partido e dos seus aliados da CDU, nas eleições legislativas antecipadas, de 30 de Janeiro de 2022.

Não se acredita, desde logo, por chamar “uma quebra eleitoral com uma significativa perda de deputados” à severíssima derrota que lhe levou um terço dos eleitores de há dois anos (95 mil votos) e a perda de metade da sua representação na Assembleia da República, de 12 para seis deputados. Não se acredita, ainda mais, pelas estafadas justificações a que o comité central recorre para minimizar o desastre, onde não se encontra uma única palavra de autocrítica.

No emaranhado das justificações, distingue-se a acusação de que “o PS, ambicionando a maioria absoluta, em convergência com o Presidente da República, precipitou a realização de eleições”.

O que o comité central não explica são as razões de fundo que levaram o PCP a chumbar o Orçamento, que não era pior do que outros que tinha viabilizado, provocando um sobressalto na vida do país. Mesmo que houvesse, como diz, uma conspiração na cúpula do Estado, por que razão cedeu à vontade de Costa e Marcelo, dando-lhes a deixa para a dissolução da Assembleia da República, que o Presidente da República repetidamente anunciara, caso o Orçamento não passasse? Que espécie de análise fez então a direcção do PCP para um acto de vastas repercussões, como estão à vista, incluindo as que se voltaram contra o próprio partido? Foi enganada? Foi atraída pelo abismo, como diz por aí? Na situação criada, o PS explorou, é claro, defensiva e ofensivamente, o erro crasso e a grave leviandade sectária do PCP.

O abandono do partido por grande número de eleitores, que nele tinham votado há dois anos, começou precisamente quando os deputados comunistas se levantaram juntamente com a direita para consumarem o chumbo do OE.

Aconteceu o mesmo ao BE, a sofrer um desastre eleitoral ainda maior, com a perda de metade da votação de há dois anos e quase dois terços dos deputados, de 19 para cinco. No entanto, este reconhece “a pesada derrota” e não esconde, na questão crucial, que “não foi capaz de comunicar as razões profundas do chumbo do Orçamento”.

A direcção do PCP, que tanto se arroga do seu marxismo-leninismo, não foi, nem é, capaz de seguir Lenine, que recomenda: “Reconhecer abertamente o erro, pôr a descoberto as suas causas, analisar a situação que o engendrou e discutir atentamente os meios de o corrigir.”

A campanha eleitoral do PCP, centrada no furioso ataque ao PS, quase esquecendo a direita e até a extrema-direita, foi a continuação e agravamento do erro. Não está em causa a crítica mais que justa às insuficiências da governação do PS, a sua excessiva moderação e cedências à pressão do patronato. O erro foi o exagero de “deitar abaixo” essa governação, em coro com a direita, ocultando os seus lados positivos, como o combate à pandemia, que o país reconhece, a tentativa de identificar o PS com a direita, em que o povo não acredita, em suma, tratar o PS como inimigo principal.

Esta campanha desenrolava-se quando as sondagens já apontavam a possibilidade do regresso da direita ao poder, o que provocou redobrada censura entre povo de esquerda. Por isso, a sua parte mais esclarecida não hesitou, em larga escala, cerca de 350 mil eleitores (anteriores votantes do BE e da CDU), em concentrar os seus votos no PS, dando-lhe a maioria absoluta, a forma mais imediata e segura de travar a direita.

A maioria absoluta não acaba com o objectivo da convergência entre a esquerda e o centro-esquerda, como via certa para o desenvolvimento progressista do país. Nem tão-pouco perdeu actualidade. Na Assembleia da República e, em geral, em toda a vida política nacional, o PS e os partidos à sua esquerda precisam de unir forças no imperativo de conter e esvaziar a extrema-direita fascizante, que se reforçou e ataca, assanhada, o regime democrático e as suas conquistas sociais.

A nova derrota eleitoral do PCP deixa o partido reduzido a números que comprometem o seu papel na sociedade, incluindo na luta dos trabalhadores, ao contrário do que quer fazer crer. Mas, pior do que isso, o quadro que resulta das legislativas antecipadas também afecta a influência e o futuro da ideia comunista no nosso país. Esta é, só por si, uma grande razão que exige o profundo debate entre os comunistas, que pode incluir o PCP, mas que deve mobilizar sobretudo os comunistas que já o tinham deixado e os que deixam agora de se ver por ele representados. É preciso ir às raízes socioeconómicas, às estruturas de classe, e ensaiar respostas para as mudanças aí verificadas. É, contudo, fundamental examinar as orientações, a orgânica, a prática, o discurso, limpá-los do sectarismo e do burocratismo e dar-lhes uma perspectiva renovadora.

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