Três perguntas a Lake Bell, a quem hackers roubaram fotos íntimas e que agora deu “consciência” a Pam & Tommy

Em 2014, realizadora da controversa série foi uma das vítimas do roubo de imagens íntimas de celebridades e fala ao PÚBLICO sobre identificação com Pamela Anderson no caso da “sex tape”. “O entretenimento, essa colher de açúcar, é a forma como pomos as pessoas a discutir as coisas.”

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A série Pam & Tommy estreou o seu quarto episódio na quarta-feira, marcando uma viragem no título da Disney+ sobre o escândalo da “sex tape” da actriz Pamela Anderson e do músico Tommy Lee. O facto de Anderson não estar envolvida na produção, bem como de o tom inicial da série ser mais festivo do que reflexivo, gerou críticas sobre exploração e novos traumas para as vítimas. Lake Bell sabe algo sobre isso. “Tenho contas muito pessoais a acertar”, diz ao PÚBLICO numa vídeochamada. Verteu a sua experiência como vítima de hackers que divulgaram as suas imagens privadas na realização de dois episódios. “Já estive nua na capa de revistas mas isso não significa que possam roubar-me fotografias.”

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Lake Bell, fotografada em 2011 Danny Moloshok/REUTERS

Lake Bell é actriz há 20 anos, sendo reconhecida por papéis em filmes como Sem Saída, Sexo sem Compromisso ou Amar... É Complicado. Em 2013 assinou a sua primeira longa-metragem, In a World..., tendo realizado vários episódios de séries televisivas desde então.

A série está a ser criticada por não ter o aval de Pamela Anderson, vitimada pelo roubo e pela invasão de privacidade. Como ponderou esse factor ao aceitar realizar dois episódios da série?
Obrigada pela pergunta e tenho de ser honesta: não posso falar em nome de alguém que está ausente. Experienciei, na minha vida, tremendas violações de privacidade e de propriedade pessoal sob a forma de fotografias. Fiz parte do roubo informático de 2014 de iClouds de muitos actores [conhecido como Celebgate]. E e a Lily [James] identificámo-nos muito em torno dessa sensação de injustiça e de roubo de imagens, usada contra a nossa vontade. Já estive nua na capa de revistas mas isso não significa que possam roubar-me fotografias. Tenho contas muito pessoais a acertar quanto a criar debate e espaço para denunciar os media. A melhor forma de transmitir essa mensagem é através do poder de contar boas histórias. A série está escrita de uma forma muito sábia e inteligente porque está a suscitar discussão, está a inspirar controvérsia ao falar sobre como nós, a sociedade e a cultura nos sentimos totalmente confortáveis a explorar as mulheres e a roubar-lhes a sua voz.

Era uma altura muito particular. Em 1995, estamos no sopé de um tsunami tecnológico e a propriedade privada de uma cassete tornou-se um catalisador, um soltar do monstro deste tipo de exploração. Por isso entusiasmou-me utilizar a narrativa para gerar esse tipo de conversa.

A série começa a mudar de tom e a sua consciência no episódio The Master Beta, o quarto, realizado por si. O guião já trazia questões como uma gravidez em risco ou a discussão sobre como ser mulher diferenciava as consequências do escândalo para o casal. Que escolhas fez na cadeira de realizadora para servir esse seu ponto de vista tão específico?
Senti mesmo a mudança ao ler o guião dos episódios. O quarto episódio era a mudança de consciência e de foco. É a primeira vez que vamos da diversão, do saborear do fenómeno cultural que foram Pam e Tommy, para esta gigantesca injustiça e crime. E a forma como o corpo dela rejeitou fisicamente esta injustiça. Senti essa responsabilidade. De ser generosa ao contar a história. Do ponto de vista de realização e da forma como movimentei a câmara, gostei muito de brincar com o léxico visual e cinemático que Craig [Gillespie nos primeiros episódios] usou e de utilizar essas ferramentas para contar uma história muito pessoal — às vezes estão a olhar directamente para a câmara e é muito pessoal, íntimo.

Apeteceu-me soltar-me, normalmente estaria a filmar em modo estúdio, que é um pouco mais estático. [Quis] ter esta oportunidade de estar lá dentro com as nossas personagens, movimentar-me com elas, mover-me à volta delas. Muitas vezes fui cilíndrica em torno de Pam para a fazer sentir-se num aquário. Na cena em que eles vão à biblioteca consultar a Internet quis também que se sentisse esse aquário, eles como espécimes sob a lupa da cultura em geral. Estão muito vulneráveis, há uma paranóia que começa. Foi muito importante tentar expressá-lo.

A história passa-se entre 1995 e 1997/8. A televisão está a tentar lidar com a forma como a cultura popular lidou com as mulheres famosas na altura. Porque acha que isso está a acontecer agora e o que pensa do equilibrismo entre o factor entretenimento e a reavaliação do tratamento destas mulheres na conjuntura actual?
É preciso olhar para o passado para crescermos. Às vezes precisamos de ser duramente lembrados de quão longe não chegámos. De nos lembrarmos quais as raízes da forma como maltratamos as pessoas.

Temos a oportunidade de, através de produção criativa e narrativa, sublinhar essas verdades ao mesmo tempo que somos entretidos. O entretenimento, essa colher de açúcar é a forma como pomos as pessoas a discutir as coisas. É assim que informamos a cultura: damos-lhes algo doce e depois fica o pensamento sobre os temas, o desconforto. É nesse desconforto que todos crescemos.

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