O Mundial do futebol inclinado

Tal como em provas portuguesas, há benefícios para quem já é grande. A pensar numa final mais excitante, a FIFA não tem pudor em “inclinar” o calendário do Mundial de Clubes, dando menos desafios a europeus e sul-americanos. Leonardo Jardim mostrou que não gosta disto – não foi o primeiro e dificilmente será o último.

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O Estádio Mohammed Bin Zayed, em Abu Dhabi Reuters/MATTHEW CHILDS

Há um jargão popular futebolístico que remete para o conceito de “campo inclinado”, utilizado por quem sente que é prejudicado pelos árbitros. No Mundial de Clubes, o conceito é levado a outro nível: os árbitros ficam de lado e é a própria FIFA quem inclina o plano – e não no relvado, mas na própria mecânica da competição.

O organismo que rege o futebol mundial pretende, nesta prova, coroar a melhor equipa do mundo – e foi também por isso que alargou a extinta Taça Intercontinental a este Mundial mais global –, mas acaba por facilitar o percurso a quem vem da Europa e da América do Sul, equipas já teoricamente mais fortes.

Por outras palavras, foi este o raciocínio de Leonardo Jardim, nesta terça-feira, na antevisão das meias-finais do Mundial de Clubes, prova que prevê que Palmeiras (de Abel Ferreira) e Chelsea só entrem em campo na meia-final, enquanto outras equipas jogam ronda preliminar e quartos-de-final – podem chegar a fazer quatro jogos no Mundial, enquanto os privilegiados da UEFA e CONMEBOL (que entre si venceram as 17 edições da prova) fazem apenas dois.

O treinador português, que orienta o Al Hilal, criticou o modelo construído pela FIFA, argumentando que este beneficia os campeões da Europa e da América do Sul. “É injusto que algumas equipas tenham de jogar quatro jogos em oito dias, enquanto outras, que são as melhores, só precisam disputar dois e estão mais descansados. Tenho a certeza de que as equipas europeias são claramente favoritas – disso não há dúvidas –, mas também têm uma vantagem acrescida, pois nós só temos dois dias de recuperação, enquanto eles têm uma equipa completa e fresca”, rematou, já em jeito de antevisão ao duelo com o Chelsea, agendado para esta quarta-feira (16h30, Canal 11).

Para que a retórica não saísse enviesada, Jardim fez questão de reconhecer que também o seu Al Hilal, agora prejudicado frente ao Chelsea, já foi beneficiado, na ronda anterior, no triunfo frente ao Al Jazira. “Acho que a partida teria sido diferente se o Al Jazira tivesse descansado”, assumiu Jardim, referindo-se ao jogo da ronda preliminar que o adversário já tinha feito três dias antes, frente ao Pirae, do Taiti.

Soluções? Uma delas poderá passar pelo novo plano da FIFA, que pretende tornar a competição um evento mais raro e, sobretudo, mais alargado. Com 24 clubes em prova, de quatro em quatro anos, o cenário pode, assim queira a FIFA, ficar mais equilibrado em matéria de jogos disputados.

Leonardo Jardim não ousou pedir que europeus e sul-americanos façam os mesmos jogos do que os demais, mas sugeriu, no mínimo, a curto prazo, períodos de descanso mais longos para as equipas que jogam mais partidas na competição. “Acho que devemos organizar melhor o calendário, com mais dias de recuperação para que as equipes da Ásia e da América do Norte e Central tenham mais hipóteses”, completou.

Nada disto é, ainda assim, uma novidade – e não é sequer uma “diabrura” da FIFA. Em Portugal, os clubes da primeira divisão têm um benefício na Taça de Portugal, podendo entrar em prova mais tarde do que as formações dos escalões inferiores.

Na Taça da Liga, o cenário é ainda mais profundo, com a fase de grupos a dividir FC Porto, Sporting, Benfica e Sp. Braga pelas quatro poules, “estendendo a passadeira” para que os principais clubes disputem a final four – desígnio que, em 2022, acabou por nem sequer ser cumprido.

No fundo, trata-se de optimizar o futebol para o espectador e os patrocinadores, mesmo que isso obrigue a “inclinar o campo”. Leonardo Jardim mostrou que não gosta já não foi o primeiro e dificilmente será o último.

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