Tem animais de companhia? Medicá-los ficou mais caro

Entrada em vigor de regulamento europeu torna mais difícil aos veterinários receitarem medicamentos de uso humano que por norma são mais baratos. Provedora do Animal reclama criação de genéricos.

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Legislação europeia limita prescrição de medicamentos para uso humano Rui Gaudencio

Medicar animais de companhia ficou mais caro. Não porque o preço dos remédios tenha subido, mas porque se tornou mais difícil aos veterinários receitar aos bichos medicamentos de uso humano, por norma mais baratos do que os destinados exclusivamente aos bichos.

A culpa é da entrada em vigor de um regulamento europeu que, embora não proíba a prescrição de medicamentos humanos aos veterinários, estipula que deve ser dada preferência à utilização de medicação veterinária. No preenchimento dos formulários de receita disponíveis na nova plataforma de prescrição electrónica médico-veterinária, que começou a funcionar esta semana, os profissionais que optarem pelos medicamentos de uso humano são obrigados a justificar essa escolha. Sendo que o preço não é aceite como motivo válido.

A medida está a suscitar alguma indignação, revelou esta quinta-feira o Jornal de Notícias. A provedora nacional do animal, a ex-bastonária dos veterinários Laurentina Pedroso, teme que muitas famílias deixem de ter dinheiro para medicar os bichos a seu cargo. “Este regulamento é obviamente de cumprimento obrigatório, mas uma coisa é certa: aplica-se aos países do Norte da Europa, e não à realidade portuguesa. Não somos um país de ricos”, sustenta. Para a veterinária, perante este cenário só há uma coisa que já devia ter sido feita: criar medicamentos genéricos de uso veterinário, à semelhança do que já existe para os humanos. O problema é que eles nem sequer existem.

O preço não é, porém, a única objecção da provedora ao regulamento, cuja aprovação na União Europeia data já de 2019. As farmácias existentes nas pequenas localidades não têm sequer habitualmente grande leque de medicação veterinária disponível. “O que acontece se um animal doente não for tratado com a celeridade necessária?”, questiona. “Esta regra limita a decisão clínica”, resume.

Vera Ramalho, da Associação de Médicos Veterinários dos Municípios, dá como exemplo uma situação com que teve de lidar há alguns anos, o caso de uma gata que sofria de hipertiroidismo. “O medicamento de uso humano que lhe foi prescrito custava 1,67 euros mensais. Mas se fosse de uso veterinário custava 40.” Segundo as novas directivas a medicação deixa de poder ser receitada por princípio activo. O médico passa a ter de indicar uma marca. Se a fiscalização do cumprimento destas regras será muito rigorosa ou não, é o que ainda se irá ver.

Paulo Pereira, da Associação Portuguesa de Médicos Veterinários Especialistas em Animais de Companhia, recorda que mesmo antes do surgimento do regulamento já existiam recomendações no sentido de dar primazia aos fármacos veterinários – que nem todos os profissionais, porém, cumpriam. “Agora não têm escapatória”, observa. Um dos principais objectivos do regulamento é reforçar a acção da União Europeia contra a resistência antimicrobiana – reduzindo a prescrição de antibióticos e outros medicamentos congéneres, considerada exagerada.

Na origem do custo mais elevado destes remédios está o facto de o seu consumo ser menor – pelo que proporcionam menos ganhos de escala. “Quanto mais venderem mais barata se tornará a sua produção”, antevê Paulo Pereira, admitindo, porém, que a questão é preocupante.

O PÚBLICO tentou, ao longo desta quinta-feira, ouvir também sobre este assunto o bastonário dos veterinários, Jorge Cid, mas sem sucesso.

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