Geração Erasmus sem votos

Apesar de estas serem das eleições mais imprevisíveis dos últimos anos, consigo prever que dia 31 de Janeiro a abstenção nacional será discutida, outra vez, como nas três eleições anteriores.

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Adriano Miranda

Vivemos tempos conturbados: crise económica, crise das cadeias de distribuição e produção e mil e uma maleitas criadas pela pandemia. No entanto, depois de dois anos e duas eleições (autárquicas e presidenciais), já devia haver uma solução para aqueles que querem votar e não têm condições, devido às circunstâncias.

Todas as eleições, melhor dizendo, pós-eleições surgem os alarmes da abstenção entre os jovens portugueses. Nos painéis televisivos do pós-eleições surge o tema do porquê de os jovens não votarem. Aponta-se sempre a falta de preocupação com a política nacional ou a descrença no nosso sistema democrático como os factores que causam a falta de participação eleitoral. Porém, nunca são discutidos os factores impeditivos que levam uma percentagem da população jovem a não exercer o direito de voto.

Enquanto aluno de Erasmus, desde Setembro de 2021, não pude exercer o meu direito de voto, nesse mesmo mês, para as autárquicas. Apesar de a Comissão Nacional de Eleições (CNE) criar a modalidade de voto antecipado, muitos estudantes, tal como eu, não podiam votar nessas datas, pois só era permitido àqueles que se encontravam em território nacional. As datas para o voto antecipado das autárquicas foram 13 e 16 de Setembro. Nestas datas, muitas universidades europeias já tinham começado o seu semestre.

Passados quatro meses, estamos de novo perante eleições e os problemas do exercício de voto continuam. De acordo com a CNE, foi possível obter a modalidade de voto antecipado entre os dias 16 e 20 de Janeiro - e outra vez estas datas foram incompatíveis para muitos dos estudantes que se encontram fora, dado que Janeiro é época de exames e estes já se encontram fora do país.

Para aqueles que, como eu, não podem votar antecipadamente ou votar no dia da eleição em território nacional, existe uma terceira opção: votar no estrangeiro. De acordo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, nomeadamente o Portal das Comunidades Portuguesas, todos os cidadãos estrangeiros não portadores de cartão de cidadão com morada no estrangeiro necessitam de fazer a sua inscrição junto da comissão recenseadora da sua área de residência. Porém, de acordo com o mesmo portal, o recenseamento eleitoral suspende-se 60 dias antes de cada acto eleitoral. Dado que o Presidente da República dissolveu o Parlamento a 5 de Dezembro de 2021 e convocou as eleições para 30 de Janeiro de 2022, existe um intervalo de 57 dias, ou seja, era impossível, de acordo com as informações do Portal das Comunidades Portuguesas, fazer o recenseamento nesta janela temporal.

No entanto, enquanto aluno de Erasmus em Itália, procurei saber alternativas para poder exercer o meu direito de voto. De acordo com o mesmo Ministério dos Negócios Estrangeiros, via Embaixada de Portugal em Itália, foi possível exercer o direito de voto em Roma, nos dias 18, 19 e 20 de Janeiro de 2022.

Como já se percebeu, existe um problema de comunicação dentro do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Este é um dos entraves ao voto de muitos estudantes portugueses que se encontram no estrangeiro, falta de informação clara e concisa reunida num só local e não espalhada por vários portais do ministério.

No meu caso, a votação para todos os portugueses deslocados em Itália decorrerá durante três dias na Embaixada de Roma. Porém, Itália não é só Roma, muitos estudantes encontram-se a largas centenas de quilómetros da capital. Além dos custos da viagem, as datas marcadas para o voto antecipado não são convidativas, dado que estas são durante os dias da semana, existem muitos alunos com avaliações e compromissos lectivos. Ainda que exista a possibilidade de votar por via postal, esta alternativa é dada apenas a eleitores recenseados e, tal como explicado anteriormente, dificilmente algum estudante se recensearia antes da data da marcação de eleições.

Após três eleições, o problema do exercício de voto persiste para muitos dos portugueses no estrangeiro e, apesar de a pandemia justificar muitos dos problemas actuais, não justifica a falta de atenção da CNE e dos actores políticos perante os problemas de todos aqueles fora do país. Apesar de estas serem das eleições mais imprevisíveis nos últimos anos, consigo prever que dia 31 de Janeiro a abstenção nacional seja discutida, outra vez, como nas três eleições anteriores.

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